Thursday, December 30, 2004

A lebre devidamente engalanada para a passagem de ano deseja-vos uma excelente passagem de ano



ATÉ 2005



Receita de Ano Novo





Para você ganhar belíssimo Ano Novo

cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,

Ano Novo sem comparação como todo o tempo já vivido

(mal vivido ou talvez sem sentido)

para você ganhar um ano

não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,

mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,

novo

até no coração das coisas menos percebidas

(a começar pelo seu interior)

novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,

mas com ele se come, se passeia,

se ama, se compreende, se trabalha,

você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,

não precisa expedir nem receber mensagens

(planta recebe mensagens?

passa telegramas?).

Não precisa fazer lista de boas intenções

para arquivá-las na gaveta.

Não precisa chorar de arrependido

pelas besteiras consumadas

nem parvamente acreditar

que por decreto da esperança

a partir de janeiro as coisas mudem

e seja tudo claridade, recompensa,

justiça entre os homens e as nações,

liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,

direitos respeitados, começando

pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um ano-novo

que mereça este nome,

você, meu caro, tem de merecê-lo,

tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,

mas tente, experimente, consciente.

É dentro de você que o Ano Novo

cochila e espera desde sempre.



Carlos Drummond de Andrade








Wednesday, December 29, 2004

quando os pássaros são imagens

inquietas do frio, e as sombras

movimentos onde as despedidas

se repetem.



desperto de diálogos que desfazem o sono



sei que para além da noite

há um inverno a dançar

nos meus medos





eue





Wednesday, December 22, 2004

(é favor ler este post em modo Coro de santo Amaro de Oeiras em rotação acelerada )



A todos um Bom Natal

A todos um Bom Natal

Que seja um Bom Natal, para todos vós

Que seja um Bom Natal, para todos vós









Vou ali dar umas prendas e comer umas fatias de bolo rei da Vénus e já volto

Tuesday, December 21, 2004

Confesso, não gosto da maioria dos poemas de Natal mas graças à Ju descobri esta delícia



Natal



Menino, peço-te a graça

de não fazer mais poema

de Natal.

Uns dois ou três, inda passa...

Industrializar o tema,

eis o mal.



Carlos Drummond de Andrade







Monday, December 20, 2004

O clima natalício instala-se a pouco e pouco, a lebre delicia-se a ler



A CHRISTMAS CAROL



I



Era uma vez, em noite escura e fria,

uma muito morena toutinegra

(que assim adjectivada mais daria

com essa noite densa, escura e fria).

Era esta noite dia vinte e quatro

de um Dezembro de vento como açoite

geladíssimo, uivante, em fios de prata,

mil novecentos e noventa e oito,

e eram agora quase onze da noite,

e o frio arremetia-se de frente.



Ora a nossa morena toutinegra

que lá por ser morena não deixava

de ter cara tristonha, um pouco eslava,

tinha um sonho importante de sonhar.

Esse sonho era ser ave diferente:

em vez de toutinegra, cotovia,

ou quase via verde, ou toutirosa,

ou coisa mais gostosa de viver.

Estava-se nessa noite na floresta,

e a toutinegra, pela vez terceira,



evocou em voz alta o nome desse

que, quando mal piava e era trigueira,

a mãe lhe repetira devagar.

"Pai Natal", "Pai Natal", dizia ela,

"Concede-me o desejo de mudar

de toutinegra em quase cotovia,

ou toutirosa em brilhos de luar."

Isto dizia ela, não esquecendo

o poder da palavra, ao evocar,

poder que mais no momento em questão



(ou seja, vinte e quatro de Dezembro

de um milénio em processo de findar)

se arrepiava de um grande silêncio,

não dando sequer tema de conversa.

Mas não deixemos que isto se intrometa

dentre esta história comovente e bela

daquela toutinegra em desespero

por pedir já pela terceira vez

(e a sua curta vida eram três anos)

sempre naquele dia e à mesma hora



para deixar de ser o que era agora.

Pela terceira vez então pediu,

as asas agarradas como prece,

ao ramo mais baixinho do pinheiro.

"Pai Natal, Pai Natal, se estás aí,

embrulhando presentes coloridos,

ajaezando as renas e os compridos

fios que ligam trenó e lhe dão rumo,

recorda-te do meu pedido insane

que repito há três anos, sem parar.



Fui toutinegra boa, cumpridora,

comi sempre as minhocas que a mamã

me mandava comer. E nunca, nunca

depenei o malvado do pardal

que se mete comigo por maldade

- e vontade, querido Pai Natal,

vontade não faltou... Mas resisti.

E na escola do mocho decorei

muita matéria chata e repetida.

Mas fiz sempre os deveres, fui boa amiga.



Que mais posso fazer, se tu não ouves?"

Isto dizia a pobre, a tiritar,

não tanto pelo frio, mas pelos nervos

da espera de três anos a esperar,

sempre no mesmo sítio, à mesma hora,

todos os anos repetindo. Ora,

por essa altura estava o Pai Natal

ocupado a tratar de outros assuntos:

escrever a conferência do congresso

de Pais Natais que estava já tão perto,



esfregar as pobres costas com unguento

que o da Finlândia lhe tinha mandado,

e também conferir listas de preços

cada vez mais difíceis de gerir.

Ele era Continente, ele era Jumbo,

ele era Carrefour e mercearia,

a ver se por acaso não daria

para comprar o urso mais barato.

Que o orçamento cada vez mais curto

e um Pai Natal também não é de chumbo.



Entre tanto afazer, tanto exercício

mental, emocional, entre outros mais,

como podia o pobre Pai Natal

ligar a essas preces tão banais

como as que a toutinegra repetia?

Como podia ele? Não podia!



II



Mas ah, eis que do outro pólo outro,

ou seja, pólo sul, surge figura

estranha, diferente do que é tão costume.

vestida em tule azul em vez de feltro

vermelho; e gola em renda em vez de arminho;

e em vez do gorro de pompom macio,

um extremamente chique chapelinho.



Esta figura dirigiu-se leve,

muito elegante por entre a alvura

para, em lugar de renas, carro branco

de motor especial, movido a neve,

muito ecológico e despoluente

(que para ela era ponto assente



não abusar da mão de obra animal).

Oh, quem seria esta figura estranha

que faz o narrador omnipresente

ficar arrepiado de contar?

E como é que a morena toutinegra

conseguiu ser ouvida em pólo sul?



E como conseguiu o seu pedido

ser mais ouvido aí que em pólo norte?

São estas questões-chave nesta história

que já quase a três quartos do final.

A resposta à primeira: A Mãe Natal!

Quem mais podia ser essa figura?



Quanto às perguntas que a seguir são postas,

todas têm que ver com a primeira.

Ou seja: a Mãe Natal não tinha aquela

ansiedade de ser a mais cimeira

(além disso, os Congressos eram chatos,

e as compras, uma coisa de prazer).



Finalmente, acrescente-se que a acústica

funcionava melhor no pólo sul,

E que a otite de que o Pai Natal

padecia, este ano: bem pior

E assim na noite de desse vinte e quatro,

mil novecentos e noventa e oito,



tudo se conjugava em perfeição

para que uma morena toutinegra

perdida no negrume da floresta,

agarrada a raminho de pinheiro,

pudesse ser ouvida em seriedade

pudesse finalmente ter palavra.



Desceu a Mãe Natal, de chapelinho

disposto um pouco à banda pelo vento.

E mal chegada ao alto do pinheiro

onde a nossa avezinha, em desespero,

roía unhas, asas, engolia

comprimidos de nervos e azia,



logo fez jus à sua, ainda jovem,

mas cada vez melhor, reputação.

E com três piparotes da varinha

(que ela tinha varinha, como as fadas)

transformou a morena toutinegra

em coisa tão diferente e invulgar



que até o mocho, meio adormecido,

piou alto, exclamando: "Ó tu tão rara,

ó tu tão renascida como a fénix,

tu já não nos pertences, não és nossa,

tu és agora de paragens outras,

destinada a desígnios tão diversos!"



A toutinegra soltou rouco pio,

e, num delíquio mais próprio de trópicos,

chamou a Mãe Natal, que concluiu

o que fizera à sua criação,

notando consternada que, na pressa,

se esquecera dos pós macrobióticos,



necessários ao êxito total

de uma lisa e feliz transformação.

"Ó Mãe Natal", gemia a toutinegra,

o meu pedido era ser toutirosa,

que é coisa mais gostosa de se ver.

Mas eu não queria ter estas escamas



nem estas guelras assim penduradas

uma de cada lado. E o meu rabinho,

que era tão elegante e descuidado,

agora bifurcou-se...?! Ó Mãe Natal,

Queria ser cor de rosa e não dourada!

Ó Mãe Natal, o que é que eu vou fazer?"



A Mãe Natal pensou, mas não demais,

que lhe serviu súbita inspiração.

E logo ali imaginou paisagem

onde viver dourada fosse bom,

onde pernas ou asas: coisas poucas

e usar escafandro fosse de bom tom.



III



E é por isso que hoje, onde era antes

uma floresta densa, escura e fria,

há um lago de carpas e de trutas,

onde vive um ser estranho e infeliz:

uma dourada de escamas brilhantes

que pia como ave, sem o ser,

que canta, mas tem guelras cor de fogo

e minúsculas sardas no nariz.



Passou-se isto no tempo de uma vez,

mil novecentos e noventa e oito,

e esta história já quase a terminar.

Mas que é do Pai Natal? Que aconteceu?

Vive ainda nervoso ou já morreu?

E a Mãe Natal conseguiu regressar?



Do Pai Natal não houve mais memória,

consta que foi viver para um convento

em sítio onde qualquer ente se perde.

E a Mãe Natal tornou-se mais amena,

passou a apreciar carne de rena;

e dourinegras; e a via verde.





Ana Luísa Amaral





Sunday, December 19, 2004

Let's dance, put on your red shoes and dance the blues

Let's dance, to the song they're playin' on the radio



Let's sway, while colour lights up your face

Let's sway, sway through the crowd to an empty space



If you say run, I'll run with you

If you say hide, we'll hide

Because my love for you

Would break my heart in two

If you should fall

Into my arms

And tremble like a flower



Let's dance, for fear your grace should fall

Let's dance, for fear tonight is all



Let's sway, you could look into my eyes

Let's sway, under the moonlight, this serious moonlight



If you say run, I'll run with you

If you say hide, we'll hide

Because my love for you

Would break my heart in two

If you should fall

Into my arms

And tremble like a flower



Let's dance, put on your red shoes and dance the blues

Let's dance, to the song they're playin' on the radio



Let's sway, you could look into my eyes

Let's sway, under the moonlight, this serious moonlight



David Bowie (na versão deliciosa do M. Ward)





Friday, December 17, 2004

na palma da tua mão



e na palma da tua mão

busco ternura

sem contar meses,

anos, dias,

sem saber dizer

se já te chorei

por inteiro

o suficiente

para não voltar

a perder-te.





Vasco Gato



Thursday, December 16, 2004



Esta manhã encontrei o teu nome nos meus sonhos

e o teu perfume a transpirar na minha pele. E o corpo

doeu-me onde antes os teus dedos foram aves

de verão e a tua boca deixou um rasto de canções.



No abrigo da noite, soubeste ser o vento na minha

camisola; e eu despi-a para ti, a dar-te um coração

que era o resto da vida - como um peixe respira

na rede mais exausta. Nem mesmo à despedida



foram os gestos contundentes: tudo o que vem de ti

é um poema. Contudo, ao acordar, a solidão sulcara

um vale nos cobertores e o meu corpo era de novo

um trilho abandonado na paisagem. Sentei-me na cama



e repeti devagar o teu nome, o nome dos meus sonhos,

mas as sílabas caíam no fim das palavras, a dor esgota

as forças, são frios os batentes nas portas da manhã.





Maria do Rosário Pedreira







Wednesday, December 15, 2004

"Over and over again I fall asleep with my eyes open, knowing I'm falling asleep, unable to prevent it. When I fall asleep this way, my eyes are cut off from my ordinary mind as though they were shut, but they become directly connnected to a new, extraordinary mind which grows increasingly competent to deal with their impressions."



Charles Lindbergh



Tuesday, December 14, 2004

Hoje apeteceu-me pendurar este quadro no blog

(quando o vi pela primeira vez, passei o mês todo que ele esteve cá em Coimbra, em modo namoro - ia vê-lo todos os dias)





Monday, December 13, 2004

As lágrimas

são locais de olhar por dentro

e enquanto espero que os verbos

sequem

poucas palavras me restam para dizer

que só a sombra tem corpo

e em frases soltas

crescem-me pássaros no reverso dos olhos



eue





Sunday, December 12, 2004





Lonely Carousel



It´s a look

This game we play

We can´t escape we have to attend

Its life you see



When I have tried to amuse myself

To celebrate the funfair

The pleasures I seek are far too discreet for me



And all the time the world unwinds

I can´t deny the way I feel

The truth is lost

Beyond this lonely carousel



And all these words, they mean nothing at all

Just a cruel remedy a strange tragedy

Of what will be



After I try to discover the answers to why

To look for a meaning

Inside of this dreaming I have



And words that I´ve said they spin around

Waltzing alone inside my head

Nothing will change

Its always the same please make it stop



And all the time the world unwinds

I can´t deny the way I feel

The truth is lost

Beyond this lonely carousel



Rodrigo Leão/Beth Gibbons



Friday, December 10, 2004

Amanhã dia 11, às 21 horas, na livraria K de Livro, em Pombal, apresentação do livro “uma história de desamor treze vezes” de António Gregório (é livro lindo, lindo). Fica o convite, para quem estiver por perto.



Treze Histórias a dançar à roda do desamor - e o desamor não lhes ouve a música nem lhes aprecia os movimentos : move-se robusto como qualquer outra fatalidade, deslocando o centro dos treze círculos lamuriosos que o circundam, deformando-o e misturando-lhes as linhas todas numa espécie de espaguete de auto-compadecimento. O desamado, náufrago, desiste: pára de esbracejar, levanta-se e, de água pelos joelhos, regressa à praia para secar ao sol.





A apresentação será feita aqui pela vossa amiga

ESTOU COMPLETAMENTE APAVORADA

Thursday, December 9, 2004

A CASA



o silêncio tem vozes sem nome

que não possuem sossego até serem ouvidas



a casa que habitamos ecoa memórias

uma porta entreabre-se para o fundo de um grito

como se por um momento tudo regressasse à sua morte



os contornos da terra hesitam em sua posição

um lume mínimo espanta-nos os dedos

e é uma força subtil



algo dentro e fora da casa nos convida à totalidade

porém o fogo reclama ainda o nosso corpo



um passo mais e a solidão será real



Vasco Gato






Wednesday, December 8, 2004

Deliciem-se





Minha querida Sidney,



As minhas desculpas, sinto-me tão envergonhado! Sabe que eu nem sequer sabia que a menina existia? Fiquei tão surpreendido ao ver que a menina me fazia destinatário da sua amizade!

Senti-me como se Ninguém tivesse entrado de repente na sala e me tivesse dado um beijo! (é uma coisa que actualmente me sucede, na maior parte dos dias.) se ao menos tivesse sabido que a menina existia, já há muito que lhe teria enviado a minha amizade. E, agora vendo melhor, devia mesmo ter-lhe enviado a minha amizade, sem estar a pensar se você existia ou não? Em certos aspectos, sabe, as pessoas que não existem, são muito mais simpáticas do que as outras. Por exemplo, as pessoas que não existem, nunca se zangam; e nunca nos contradizem; e nunca nos pisam! No entanto, não se preocupe: você não pode fazer absolutamente nada quanto ao facto de existir; além disso, atrevo-me a dizer que é tão simpática como seria se não existisse.

Qual dos meus livros lhe devo oferecer, agora que sei que você é uma menina a sério? Gostaria da Alice no país das maravilhas? Ou da Alice por detrás do espelho? (é o livro tal como inicialmente o escrevi, com os meus desenhos.)Por favor, transmita a minha amizade e um beijo à Weenie e à Vera, e também para si (por favor, não se esqueça do beijo para si: a testa é o sítio mais indicado).




Deste seu amigo

Lewis Carroll






Monday, December 6, 2004

Estou apaixonada por este texto



Água



Ele acordou.

Ficou imediatamente consciente. E cinco segundos depois achou-

se estremunhado. O seu corpo era o ponto de uma centelha na

intercepção dos mundos. Nem conformados nem em rio. Apenas

plasma vasto.



Ouviu pingar. Plin, plin, plin, plin, plin plin, plin...



O inverno mexia as folhas com as meninas incolores. Lá fora a

meruja fazia cair a virgindade das meninas.



- Quem era eu, ontem?



Voltou a escorregar no sono.

A fermentar um sonho que se redesenhava de noite para noite.

Alguém corria com uma leveza não propriamente física, e, no

entanto, o movimento era extremamente sensual. Atravessou

escadas e muros com saltos fáceis, e muito bem conseguidos, e

só frenou um pouco antes de ela se virar.



Quando ela se voltou, colaram-se num abraço. No abraço dos

corpos veio uma canção das forças.



Mas no apertar do corpo dela, o corpo dele começava a fundir-se

no dela, de tanto a apertar, acabando por entrar nela; no fim

estava dentro dela a apertar-se a si mesmo, pois o corpo dela

já desaparecera como algo consistente e apartado.



- Quem era eu quando te conheci?



Voltou a despertar-se. Plin, plin, plin, plin, plin, plin,

plin...



Voltou-se na cama e ajustou o edredão. O outro dormia

profundamente. Pousou-lhe um beijo.



- Quem és tu que não sou eu?



E o tempo continua a pingar. Plin, plin, plin, plin, plin...



Pedro Outono






Sunday, December 5, 2004





A tarde estava errada,

não era dali, era de outro domingo,

quando ainda não tinhas acontecido,

e apenas eras uma memória parada

sonhando (no meu sonho) comigo.



E eu, como um estranho, passava

no jardim fora de mim como alguém de quem alguém se lembrava

vagamente(talvez tu),

num tempo alheio e impresente.



Tudo estava no seu lugar

(o teu lugar), excepto a tua existência,

que te aguardava ainda, no limiar

de uma súbita ausência,

principalmente de sentido.



Manuel António Pina



Saturday, December 4, 2004

Canção viciante da noite, a versão arrepiantemente bela do “Drive” pelos Paradise Motel



Drive



Who's gonna tell you when

It's too late

Who's gonna tell you things

Aren't so great

You can't go on

Thinking nothing's wrong

Who's gonna drive you home tonight



Who's gonna pick you up

When you fall

Who's gonna hang it up

When you call

Who's gonna pay attention

To your dreams

Who's gonna plug their ears

When you scream



You can't go on

Thinking nothing's wrong

Who's gonna drive you home tonight



Who's gonna hold you down

When you shake

Who's gonna come around

When you break



You can't go on

Thinking nothing's wrong

Who's gonna drive you home tonight



Cars





CU CU


Thursday, December 2, 2004





estou escondido na cor amarga do

fim da tarde. sou castanho e verde no

campo onde um pássaro

caiu. sinto a terra e o orgulho

por ter enlouquecido. produzo o corpo

por dentro e sou igual ao que

vejo. suspiro e levanto vento nas

folhas e frio e eco. peço às nuvens

para crescer. passe o sol por cima

dos meus olhos no momento em que o

outono segue à roda do meu tronco e, assim

que me sinta queimado, leve-me o

sol as cores e reste apenas o odor

intenso e o suave jeito dos ninhos ao

relento





valter hugo mãe





Wednesday, December 1, 2004

Como num espelho onde te procuras

vês na água as palavras

que cabem no silêncio





eue









avassalador





kimmo pohjonen



Tuesday, November 30, 2004



hoje a lebre está contente











Monday, November 29, 2004

As palavras

cintilam

na floresta do sono

e o seu rumor

de corças perseguidas

ágil e esquivo

como o vento

fala de amor

e solidão:

quem vos ferir

não fere em vão,

palavras



Carlos de Oliveira






Sunday, November 28, 2004

Música viciante do dia



November



So i'm waiting for this test to end

So these lighter days can soon begin

I'll be alone but maybe more carefree

Like a kite that floats so effortlessly

I was afraid to be alone

Now im scared thats how id like to be

All these faces none the same

How can there be so many personalities

So many lifeless empty hands

So many hearts in great demand

And now my sorrow seems so far away

Until i'm taken by these bolts of pain

But i turn them off and tuck them away

till these rainy days that make them stay

And then i'll cry so hard to these sad songs

And the words still ring, once here now gone

And they echo through my head everyday

And i dont think they'll ever go away

Just like thinking of your childhood home

But we cant go back we're on our own

Oh,

But i'm about to give this one more shot

And find it in myself

Ill find it in myself

So were speeding towards that time of year

To the day that marks you're not here

And i think i'll want to be alone

So please understand that i dont answer the phone

I'll just sit and stare at my deep blue walls

Until i can see nothing at all

Only particles some fast some slow

All my eyes can see is all i know

Ohh..

But i'm about to give this one more shot

And find it in myself

I'll find it in myself





azure ray






Thursday, November 25, 2004



É raro encontrar pessoas assim, mas de quando em onde surgem-nos delicias do nada



Nature Boy





There was a boy

A very strange enchanted boy

They say he wandered very far, very far

Over land and sea

A little shy and sad of eye

But very wise was he



And then one day

A magic day he passed my way

And while we spoke of many things

Fools and kings

This he said to me

"The greatest thing you'll ever learn

Is just to love and be loved in return"





Eden Ahbez











Wednesday, November 24, 2004



Ódios de estimação (musicais) da lebre



Há cantores e grupos que me provocam alergia nos tímpanos e me obrigam a mudar de rádio ou a guinchar mais alto que eles.

Aqui vai uma pequena amostra:



Categoria ladies guinchantes

Alanis Morrissete, Mariah Carey, Freddie Mercury, Ivete sangalo, Celine Dion, Shakira, Michael Bolton, Mafalda Veiga, Nuno Guerreiro, Andrea Bocelli



Categoria viródiscoetocómesmo

Trovante, Rui Veloso, Silence Four, Lighthouse Family, Dido, Polo Norte, Dianna Krall,



Categoria eu-sou-chato-e-não-canto-nada

Joao Pedro Pais, André Sardet, Pedro Abrunhosa, Paulo Gonzo, os moicanos dos

Quinta do Bill



(acho que me estou a esquecer de alguns nomes )







Tuesday, November 23, 2004



Nada do que amo me dá o que quero

por isso não amo

nem o amor

nem o sonho

nem a pintura

e os pintores

os heróis e o seu heroísmo,

nem estes meus poemas

copo de água fresca

que mais aumenta a sede.



Amo o que não amo

em todas estas coisas,

e indefinidamente

no fundo de tudo

amo a poesia e os poetas

que dão sempre mais

sempre muito mais

do que peço,

como tu,

mesmo eternamente ausente

meu amor.



Cruzeiro Seixas





Monday, November 22, 2004



A Íris nasceu:D:D:D:D

Parabéns mana linda e Heitor :D



Admirar os traços e os ver perfeitos

sem procurar reconhecer-se neles

e ser, enfim, guardião feroz dos sonhos

que animam aqueles olhos.



David Fernandes









Sunday, November 21, 2004



Deito fora as imagens.

Sem ti, para que me servem

as imagens?



Preciso habituar-me

a substituir-te

pelo vento,

que está em qualquer parte

e cuja direcção

é igualmente passageira

e verídica.



Preciso habituar-me ao eco dos teus passos

numa casa deserta,

ao trémulo vigor de todos os teus gestos

invisíveis,

à canção que tu cantas e que mais ninguém ouve

a não ser eu.



Serei feliz sem as imagens.

As imagens não dão

felicidade a ninguém.



Era mais difícil perder-te,

e, no entanto, perdi-te.



Era mais difícil inventar-te,

e eu te inventei.



Posso passar sem as imagens

assim como posso

passar sem ti.



E hei-de ser feliz ainda que

isso não seja ser feliz.





Raúl de Carvalho







Thursday, November 18, 2004



atrás da minha janela há uma arvore

onde os pássaros marcam o tempo

na transparência do vento

sacodem-se as horas e por fim as imagens

evaporam-se nos contornos dos sonhos



entrego-me a um tempo concluído



faço tréguas com o passado fechando portas

ao silencio da noite

mas o sol insiste em fazer Outonos

mesmo quando os dias são mudos





eue







Wednesday, November 17, 2004



Olha, as coisas

Estão cortadas ao meio,

De um lado elas

Do outro o seu nome.



Há um vasto espaço entre elas,

Espaço para correr,

Para a vida.



Olha, tu estás cortado ao meio.

De um lado tu,

Do outro o teu nome.



Não sentes às vezes ou no sonho

Ou à margem do sonho,

Que na tua fronte

Assentam outros pensamentos,

Sobre as tuas mãos

Outras mãos?



Só por um instante foste compreendido

Fazendo o teu nome

Atravessar o teu corpo,

De um modo sonoro e doloroso,

Como o badalo de bronze

Através do vazio do sino.





Marin Sorescu



Tuesday, November 16, 2004



Podes substituir as palavras por esquecimento

Abafar as sombras que te acordam

Não dar nomes às coisas

Confundir pássaros com borboletas



E se calhar, no teu olhar, quando as noites

se escondem nas sombras

quando não tens tempo para ver a lua



afogas as vozes em papel seco

respiras as letras de um dialecto esquecido

onde as palavras não são faladas

e por toda a parte, lágrimas em vez de voz





eue







é muito bom ser amiga de uma papoila.

parabéns menina:)



Desejo uma fotografia

como esta — o senhor vê? — como esta:

em que para sempre me ria

como um vestido de eterna festa.

(...)



Cecília Meireles





Monday, November 15, 2004

Noite de Novembro



Ouçam...

com som seco e fraco

como passos de fantasmas que passam

as folhas, geadas, partem das arvores

e caem.



Adelaide Crapsey







Sunday, November 14, 2004



O bêbado deixa para trás as casas estupefactas.

Nem todos se aventuram a passear bêbados

à luz do sol. Atravessa tranquilo a rua,

e poderia entrar pelas paredes dentro, pois as paredes estão ali.

Só os cães deambulam assim, mas um cão pára

sempre que sente uma cadela e cheira-a cuidadosamente.

O bêbado não vê ninguém, nem mesmo as mulheres.



Na rua, as pessoas que se perturbam ao vê-lo, não se riem

e gostariam que não estivesse ali o bêbado, mas os muitos que tropeçam

ao segui-lo com os olhos voltam a olhar em frente

com uma praga. Passado que foi o bêbado,

toda a rua se move mais lentamente

à luz do sol. E se uma pessoa começa

a correr, é alguém que não o bêbado.

Os outros olham, sem distinguir, o céu e as casas

que nunca deixaram de estar ali, ainda que ninguém as veja.



O bêbado não vê as casas nem o céu,

mas sabe que estão ali, pois num passo pouco firme percorre um espaço

tão claro como as franjas do céu. As pessoas, embaraçadas,

deixam de compreender o que fazem ali as casas,

e as mulheres já não olham para os homens. Têm

todos, dir-se-ia, medo de que de repente a voz

rouca se ponha a cantar e os persiga pelo ar.



Cada casa tem uma porta, mas não vale a pena entrar.

O bêbado não canta, mas mete por uma rua

onde o único obstáculo é o ar. Felizmente

não vai dar ao mar, pois o bêbado,

caminhando tranquilo, entraria também no mar

e, deixando de se ver, prosseguiria no fundo o mesmo caminho.

Cá fora, a luz seria sempre a mesma.





cesare pavese







Thursday, November 11, 2004



A solidão era eterna

e o silêncio inacabável.

Detive-me com uma árvore

e ouvi falar as árvores.



Juan Ramón Jimenez







Wednesday, November 10, 2004



FABULOSO



Ela representa no filme uma personagem que temos na América e que existe, suponho eu, em França e em todo o lado, a que chamamos floating (vagabundo). Uma mulher que flutua à superfície da sociedade, ao sabor da corrente. Mas, na história deste filme, o homem que ela encontra precisa dela. Durante alguns dias ela tem uma direcção e, no fim, quando ele morre, ela regressa à sua errância. Ela compreendia a personagem muito bem, porque quando era nova, era um pouco assim. Disse-me uma vez uma coisa muito triste: "Preciso de um homem para me defender". Acho que a maioria das mulheres sabe o que isto é, mas não tem honestidade suficiente para o admitir. E ela dizia-o com tristeza.



ELIA KAZAN















Tuesday, November 9, 2004





Banho-me na luz calma duma gota

e lembro como fui educada:

Um lápis na minha mão,

a mão fresca da mãe na minha, tão quente.

E então escrevíamos

para dentro e para fora dos recifes de coral

um alfabeto submarino de curvas e de pontas,

de espirais de caracol, de tentáculos de estrelas-do-mar,

de braços esgrimindo de polvos,

de grutas arqueadas e de formações de rochas.

Letras que cintilaram e acharam o caminho,

vertiginosas por cima do branco.

Palavras como peixes achatados que se remexeram

e se enterraram na areia

ou anémonas-do-mar oscilantes, com centenas de fios

em movimento calmo, de uma assentada.

Frases como correntes de peixes

que ganharam barbatanas e se ergueram,

ganharam asas e se moveram, cheios de ritmo,

pulsando com o meu sangue que, suavemente,

opôs estrelas ao céu nocturno do coração.

Vi, naquele momento, que a sua mão havia largado a minha,

que a minha escrita me livrara há muito das suas garras.





Pia Tafdrup







Monday, November 8, 2004

mais uma tradução caseira



A fúria dos pores-do-sol



Algo

frio está no ar,

uma aura de gelo

e apatia

Todo o dia construí

uma vida inteira e agora

o sol afunda-se para

a desfazer.

O horizonte sangra

e chupa o seu polegar

o pequeno polegar vermelho

desaparece.

E eu interrogo-me sobre

esta vida inteira comigo,

este sonho que estou a viver.

E podia comer o céu

como uma maçã

mas prefiro

perguntar à primeira estrela:

porque estou aqui?

porque vivo nesta casa?

quem é o responsável?

hã?



Anne Sexton





Sunday, November 7, 2004



Venho desta forma solicitar ao leitor

uma cabeça de martelo

para que por caridade

me sejam arrancados das costas

todos os pregos que o tempo aí me pregou



Pregos para pendurar retratos

talvez de coisas tristes

talvez de coisas alegres



Peço-lhe que o faça com extrema delicadeza

de modo a que um dia

me seja possível coçar as costas

sem estar preocupado

com crostas ou cicatrizes



Venho pois caro leitor

pedir-lhe depurada mestria

ao arrancar-me todos os pregos

que a vida me pregou nas costas



Pregos veja-se bem

que têm servido tão-somente

para pendurar quadros

talvez de naturezas mortas

talvez de paisagens sem título



Não leve a mal o pedido

trata-se de caridade devida

ou não fosse também o caro leitor

um desses pregos

que o destino me pregou nas costas

com irrepreensível precisão



antoni tàpies









Friday, November 5, 2004

Retrato da lebre enquanto jovem





(momento narcisista do mês)



Thursday, November 4, 2004



Hoje apetecia-me ver este filme:D























Wednesday, November 3, 2004





Encosto a cara às quimeras da infância, para exorcizar

a inocência perdida e rodopiar, sobre os sonhos, a valsa

solitária da criança que fui, quando as minhas mãos, nativas

do sol, eram aves de múltiplas cores.

Paro todos os relógios, para escutar a respiração dos dias.

E, como um actor que se esgota na personagem, rasgo

o cenário e danço, como um louco, em redor de malogros

entrelaçados nos meus pulsos. Tenho, em volta do pescoço,

uma lua transparente que me enrouquece a voz.



Graça Pires





Tuesday, November 2, 2004



Sou apenas uma sombra

à tona da água do dia

Sou apenas a dor

E o queixume do mundo

Sou apenas espinhos

E gritos entre as ruínas

Sou apenas a ferida

Aberta deste tempo

Sou apenas

Uma flauta soprada pelo vento



Anne Perrier







Monday, November 1, 2004





Meus amigos sou de vidro

Sou de vidro escurecido

Encubro a luz que me habita

Não por ser feia ou bonita

Mas por ter assim nascido

Sou de vidro escurecido

Mas por ter assim nascido

Não me atinjam não me toquem

Meus amigos sou de vidro



Sou de vidro escurecido

Tenho fumo por vestido

E um cinto de escuridão

Mas trago a transparência

Envolvida no que digo

Meus amigos sou de vidro

Por isso não me maltratem

Não me quebrem não me partam

Sou de vidro escurecido



Tenho fumo por vestido

Mas por assim ter nascido

Não por ser feia ou bonita

Envolvida no que digo

Encubro a luz que me habita





Lídia Jorge