Monday, May 31, 2004

Quando anoitece

contorno no meu rosto

o perfil do dia que passou

e tudo o que não sou

me contradiz.



Quando anoitece

atravesso um labirinto

caiado de paixão,

pretexto circular

da minha fé.



Quando anoitece

faço emergir do abismo

um instinto quase secreto

e fujo da noite,

em vertiginosa simetria com o vento,

como se fosse um equívoco

esperar a madrugada

com a mesma lentidão

de um acto íntimo.



Contra um muro branco

esta lonjura gémea do vento.



Uma casa ou um regaço

alternando a desordem

de corpos molhados

numa dicotomia simulada

quando o prazer

é o reflexo nítido

de um coágulo de azul

queimado sobre madrepérolas.



São corais que no fundo da água

não quebram as vagas silvestres.



Nasci agora

enquanto uma andorinha

baloiçava no espelho

atravessado de pólen.



Sou, sílaba por sílaba,

o luto ou a negação

de desumanos deuses.



Quando anoitece ...





Graça Pires



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