Sunday, August 29, 2004

Post rotineiro a relembrar um dos meus filmes preferidos





Blonde



S'éveille-telle en lui

Déloge l'homme en lui



Un ange vole

Un ange vole



...Beau...



Se love-t-elle en lui

Furtive elle en lui



Un homme change

Un homme change



...Etrange...

Parfait mélange



S'échange -t-il d'aile en elle

Un homme sombre change en elle



Un ange bombe

Un ange blonde



...Dérange...

Doux... parfait mélange...



Sexe d'un ange





Guesch Patti







Tuesday, August 24, 2004

O ROSTO DA MATÉRIA





Parece simples

a simplicidade que vem das coisa

se nos encontra a meio do caminho

entre o que não fizemos

e o que não faremos.

Também elas percorrem os círculos

do poço em que se afundam

a boca negra de onde sai a tinta

e espalha a luz do dia

igual á luz da noite.

Tratam-se por tu as coisas

e esta intimidade

flutua no ar do papel

onde crianças voam com as cores

de um papagaio pois não é assim que o vento faz o vento

desde todo o sempre?

Sempre as crianças brincaram com a chuva

corsários da terra enlameada

sujos de uma alegria

que ninguém despe

mas desfaz o tempo e tudo o que pensamos

da simplicidade das coisas.



Essa lama que vive no rosto da criança

é a única matéria do traço

é a limpidez do ar.



Rosa Alice Branco





Monday, August 23, 2004

Foi-se



O tempo dos grandes gestos foi-se e não voltará

os braços estão cansados de abrir e fechar

ledas ou tristes madrugadas tanto dá

o tempo dos grandes gestos foi-se e não voltará.



O tempo dos vinhos doces foi-se e não voltará

está rolhado o paraíso. Quem me beber

o sangue em chumbo lhe coagulará

o tempo dos vinhos doces foi-se e não voltará.



O tempo dos pedestais foi-se e não voltará

esclerosada a estátua de mármore. Sobre as veias

da testa a erva como feno crescerá

o tempo dos pedestais foi-se e não voltará.



ulla hahn





Sunday, August 22, 2004

Teias de aranha penduradas da razão





Teias de aranha penduradas da razão

Numa paisagem de cinza absorta;

Passou o furacão do amor,

E nenhum pássaro fica.



Tão pouco nenhuma folha,

Todas vão longe, como gotas de água

De um mar quando seca,

Quando não há lágrimas bastantes,

Porque alguém, cruel como um dia de sol na primavera,

Só com sua presença dividiu em dois um corpo.



Agora faz falta recolher os pedaços de prudência,

Ainda que sempre nos falte algum;

Recolher a vida vazia

E caminhar esperando que lentamente se encha,

Se é possível, outra vez, como antes,

De sonhos desconhecidos e desejos invisíveis.



Tu nada sabes disto,

Tu estás além, cruel como o dia,

O dia, essa luz que abraça apertadamente um triste muro,

Um muro, não compreendes?,

Um muro frente ao qual estou só.



Luís Cernuda






Friday, August 20, 2004

Vôo



Alheias e nossas as palavras

voam.

Bando de borboletas multicores, as palavras voam

Bando azul de andorinhas, bando de gaivotas brancas,

as palavras voam.

Viam as palavras como águias imensas.

Como escuros morcegos como negros abutres, as palavras voam.



Oh! alto e baixo em círculos e retas acima de nós, em redor de nós as

palavras voam.

E às vezes pousam.



Cecília Meireles







e este? e este?













Wednesday, August 18, 2004

Breve variação sobre um post antigo



Melancolia chorona duma menina gorda



Esta menina gorda

gorda... gorda... gorda

tem um pequeno coração sentimental

Seu rosto é redondo... redondo... redondo

Toda ela é redonda... redonda... redonda

e uns olhinhos que estão no fundo a brilhar

(...)





Ribeiro Couto







Tuesday, August 17, 2004

Destino

Pastora de nuvens, fui posta a serviço

por uma campina desamparada

que não principia nem também termina,

e onde nunca é noite e nunca madrugada.

(Pastores da terra, vós tendes sossego,

que olhais para o sol e encontrais direção.

Sabeis quando é tarde, sabeis quando é cedo.

Eu, não.)

Pastora de nuvens, por muito que espere,

não há quem me explique meu vário rebanho.

Perdida atrás dele na planície aérea,

não sei se o conduzo, não sei se o acompanho.

(Pastores da terra, que saltais abismos,

nunca entendereis a minha condição.

Pensais que há firmezas, pensais que há limites.

Eu, não.)

Pastora de nuvens, cada luz colore

meu canto e meu gado de tintas diversas.

Por todos os lados o vento revolve

os velos instáveis das reses dispersas.

(Pastores da terra, de certeiros olhos,

como é tão serena a vossa ocupação!

Tendes sempre o início da sombra que foge...

Eu, não.)

Pastora de nuvens, não paro nem durmo

neste móvel prado, sem noite e sem dia.

Estrelas e luas que jorram, deslumbram

o gado inconstante que se me extravia.

(Pastores da terra, debaixo de folhas

que entornam frescura num plácido chão,

Sabeis onde pousam ternuras e sonos.

Eu, não.)

Pastora de nuvens, esqueceu-me o rosto

do dono das reses, do dono do prado.

E às vezes parece que dizem meu nome,

que me andam seguindo, não sei por que lado.

(Pastores da terra, que vedes pessoas

sem serem apenas de imaginação,

podeis encontrar-vos, falar tanta coisa!

Eu, não.)

Pastora de nuvens, com a face deserta,

sigo atrás de formas com feitios falsos,

queimando vigílias na planície eterna

que gira debaixo dos meus pés descalços.

(Pastores da terra, tereis um salário,

e andará por bailes vosso coração.

Dormireis um dia como pedras suaves.

Eu, não.)

Cecília Meireles









Monday, August 16, 2004

Parabéns gaijo das virias





- Amanhã faço dez anos, vou aproveitar bem este meu ultimo dia de nove anos.

Pausa, tristeza:

-Mamãe, minha alma não tem dez anos.

-Quanto tem?

-Só uns oito

- Não faz mal, é assim mesmo.

- Mas eu acho que se devia contar os anos pela alma. A gente dizia: aquele cara morreu com vinte anos de alma. E o cara tinha morrido mas era com setenta anos de corpo.



Clarice Lispector








a lebre em modo teen

(16-08-1998)





Sunday, August 15, 2004

voltei, e trouxe isto de férias



Linguage dos óio



Quem repara o corpo humano

E com coidado nalisa,

Vê que o Autô Soberano

Lhe deu tudo o que precisa,

Os orgo que a gente tem

Tudo serve munto bem,

Mas ninguém pode negá

Que o Auto da Criação

Fez com maior prefeição

Os orgo visioná.



Os óio além de chorá,

É quem vê a nossa estrada

Mode o corpo se livrá

De queda e barruada

E além de chorá e de vê

Prumode nos defendê,

Tem mais um grande mistér

De admirave vantage,

Na sua muda linguage

Diz quando qué ou não qué.



Os óios consigo tem

Incomparave segredo,

Tem o oiá querendo bem

E o oiá sentindo medo,

A pessoa apaixonada

Não precisa dizê nada,

Não precisa utilizá

A língua que tem na bôca,

O oiá de uma caboca

Diz quando qué namorá.



Munta comunicação

Os óio veve fazendo

Por izempro, oiá pidão

Dá siná que tá querendo

Tudo apresenta na vista,

Comparo com o truquista

Trabaiando bem ativo

Dexando o povo enganado,

Os óios pissui dois lado,

Positivo e negativo.



Mesmo sem nada falá,

Mesmo assim calado e mudo,

Os orgo visioná

Sabe dá siná de tudo,

Quando fica namorado

Pela moça despresado

Não precisa conversá,

Logo ele tá entendendo

Os óios dela dizendo,

Vica lá que eu vivo cá.



Os óios conversa munto

Nele um grande livro inziste

Todo repreto de assunto,

Por izempro o oiá triste

Com certeza tá contando

Que seu dono tá passando

Um sofrimento sem fim,

E o oiá desconfiado

Diz que o seu dono é curpado

Fez arguma coisa ruim.



Os óis duma pessoa

Pode bem sê comparado

Com as água da lagoa

Quando o vento tá parado,

Mas porém no mesmo istante

Pode ficá revortante

Querendo desafiá,

Infuricido e valente;

Neste dois malandro a gente

Nunca pode confiá.



Oiá puro, manso e terno,

Protetó e cheio de brio

É o doce oiá materno

Pedindo para o seu fio

Saúde e felicidade

Este oiá de piedade

De perdão e de ternura

Diz que preza, que ama e estima

É os óio que se aproxima

Dos óio da Virge Pura.



Nem mesmo os grande oculista,

Os dotô que munta estuda,

Os mais maió cientista,

Conhece a lingua muda

Dos orgo visioná

E os mais ruim de decifrá

De todos que eu tô falando,

É quando o oiá é zanoio,

Ninguém sabe cada óio

Pra onde tá reparando.



Patativa do Assaré