Friday, December 30, 2005

BOM ANO

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Thursday, December 29, 2005

os pedaços de noite colados ao sorriso
são sons a olhar para dentro

sensação de respirar ausências

quando as palavras te morrem nos lábios
fica um hálito frio de poemas a ruir
na distância de um percurso traçado a pó


eue


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Wednesday, December 28, 2005

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Kenneth Patchen

Monday, December 26, 2005

Portas, nocturnas portas, quando o que desejamos é um rasgão luminoso.

Mário Rui de Oliveira

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Thursday, December 22, 2005

(é favor ler este post em modo Coro de santo Amaro de Oeiras em rotação acelerada )

A todos um Bom Natal
A todos um Bom Natal
Que seja um Bom Natal, para todos vós
Que seja um Bom Natal, para todos vós


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PARABÉNS MENINA MARGARETE

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Wednesday, December 21, 2005

Fábula-cosmogonia

Os insectos nocturnos em torno da luz
As estrelas em torno das estrelas
Os meus pensamentos em torno de ti
Eu em torno do nada
O nada em torno de mim

Os meus pensamentos em torno de si mesmos
Tu em torno dos meus pensamentos
O nada em torno de ti
Os insectos nocturnos em torno do nada
As estrelas em torno de mim

Eu em torno dos meus pensamentos
As estrelas em torno de ti
Os insectos nocturnos em torno das estrelas
A luz em torno dos insectos nocturnos
O nada em torno da luz

As estrelas em torno de si mesmas
Os insectos nocturnos em torno de si-mesmos
Tu em torno de ti mesma
Eu em torno de mim mesmo
O entorno em torno do entorno


györgy somlyó


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Tuesday, December 20, 2005

Este ano cresceu de joelhos
a noite conservou as quatro luas
as crianças têm seus cabelos
seus gritos de paz intransmissíveis



Luíza Neto Jorge



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Monday, December 19, 2005

mais uma tradução "caseira" da lebre

Tem cuidado com as palavras,
mesmo com as milagrosas,
Pelas milagrosas fazemos o nosso melhor,
por vezes elas enxameiam como insectos
e deixam não uma picada mas um beijo.
Podem ser tão boas como dedos.
Podem ser tão de confiança como a rocha
onde espetas o rabo.
E podem ser malmequeres ou feridas.

Mesmo assim, estou apaixonada pelas palavras.
São pombas a cair do tecto.
São seis laranjas sagradas sentadas no meu colo.
São as árvores, as pernas do verão
e o sol, a sua cara impetuosa.

Mas muitas vezes elas falham-me.
Há tanto que quero dizer,
tantas histórias, imagens, provérbios, etc
Mas as palavras não são suficientemente boas,
as erradas beijam-me.
Por vezes eu voo como uma águia
Mas com as asas duma carriça.

Mas eu tento ter cuidado
e ser cuidadosa com elas.
Palavras e ovos devem ser tratados com cuidado.
Uma vez partidos são coisas impossíveis
de reparar.



Anne Sexton


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Sunday, December 18, 2005

vi por momentos, num plano desfocado,
a respiração condensada pelo frio
tão frágil como cada gesto que me passa em frente dos olhos

entre a pausa e o imprevisto
por vezes não passa de um cigarro esquecido no cinzeiro
nas horas em que as mãos insistem em ter frio

fotografia perfeita dos restos de um domingo
que se parte em recortes de tédio


eue


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Thursday, December 15, 2005

A calma de uma árvore que reluz, nas suas folhas íntimas, o langor do gatos como príncipes, um livro lido ao som de uma confidência, na tarde.
Os minutos de uma espera são, por vezes, a vida.

Mário Rui de Oliveira


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GOSTO TANTO DO NOEL COWARD

I've Been To A Marvellous Party

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I couldn't have liked it more…

Wednesday, December 14, 2005

Não conseguia escrever. Aquilo acontecia de vez em quando. Mas nunca durante tanto tempo. Sentia-se perdida, com medo. Sentia falta das suas histórias, de criar coisas que não existiam antes, de escrever durante a noite e ouvir os pássaros ao amanhecer, e depois dormir um pouco e levantar-se para fazer café.
(…)
Mas agora não conseguia escrever. E os dias e as noites eram muito longos, quase intermináveis.

Ana Teresa Pereira


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Tuesday, December 13, 2005

used words

Com palavras usadas,
gastas pelo tempo e pelo hábito,
cujo último tremor já não se sente.
Com palavras, como sonhos, queimadas pela vida,
nesta noite de chuva falo contigo,
tento falar pelo menos, ligeiramente ébrio,
construo cada sílaba no país de jamais.
E sinto essa repentina lucidez
com a qual, de súbito, quebramos a rotina de sermos e de conhecermo-nos,
sinto, digo, essa estranha sensação, distante e esvaída,
do whisky, da noite e do silêncio,
do entusiasmado desespero com que aceitamos a derrota,
dessa vertigem, às vezes, só às vezes, tua e minha,
em que morremos a sorrir com os olhos abertos.
Sinto o pouco que é um beijo no fundo da tua língua,
ou os teus olhos a olharem-se nos meus,
ou as nossas mão unidas no ar,
a percorrer um museu de admitidos fracassos.
Desfilam, batalhão desolado de fantasmas,
nomes e nomes com eco diferente.
Pretendemos, com abolidos rostos, prazos caducados, cidades impossíveis,
responder a uma velha pergunta
cuja resposta só a morte conhece já.
Anos e anos, voluntários exílios de seres e países.,
os filhos que não quis ter, os que tu tiveste,
o tremor do desejo que guardas ainda na tua pele,
o meu repetido navegar de cama em cama
reunem-se e afirmam o seu destino
diante da cerimónia do amanhecer.
E sabemos tudo e está escrito nos teus olhos,
hoje, contudo, neste dia com sol-tão raro em Bogotá-
de finais de julho, de um ano qualquer,
proponho-te o meu amor, sei que aceitarás,
com palavras usadas proponho-te mentirmo-nos.
Já passada a noite, quietos diante do espelho,
enquanto faço a barba e tu pintas os lábios,
proponho-te o meu amor, dizer que nos amamos.
Dizer-e são apenas exemplos-"hoje existe a vida para nós"
ou "tu não morrerás nunca"
ou, talvez, "ainda há noites e noites que esperam
os nossos braços, esse especial calor de dormirmos abraçados".
Esquecendo, tentando esquecer o nosso passado,
ignorando o futuro sem dúvida inalcançável,
com palavras gastas dizer e repetir
-é outro exemplo-"obrigado meu amor por teres existido".
Ao menos por um momento-não incomodamos ninguém-
com palavras usadas mentirmo-nos e mentirmo-nos,
mentirmo-nos contra o tempo, desprezar a sua vitória.

Envio:
Deixo-te este poema
confuso, absurdo, comprido,
para que tu o estendas como um lenço velho
aos pés da tua cama, para que tu o tenhas,
e um dia o encontres, confuso, absurdo, comprido,
num dia como este-quando já não estivermos-,
e recordes, debaixo do duche,
que uma vez te amei-mentiras e mentiras-,
que uma vez te amei-era um dia de julho-,
com palavras usadas como um disco riscado,
que recordes, meu amor, esta letra de tango.

Juan Luis Panero



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Monday, December 12, 2005

mais uma tradução "caseira" da lebre

O amor não é uma profissão
distinta ou não

o sexo não é cirurgia dentária
A obturação habilidosa de dores e cavidades

não és o meu médico
não és a minha cura

ninguém tem esse
poder, és apenas um companheiro/viajante

desiste desta preocupação médica,
abotoada, atenta

permite-te raiva
e permite-me a minha

que não precisa nem
da tua aprovação nem da tua surpresa

que não precisa de ser legalizada
que não é contra uma doença

mas contra ti,
o que não precisa de ser entendido

ou lavado ou cauterizado
que ao contrário precisa sim

de ser dito e dito.
Permite-me o tempo presente.


Margaret Atwood

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Sunday, December 11, 2005

REAIS AUSÊNCIAS

Não há rainhas, não.
Quando se fala em mitos, é sempre Artur
ou D. Sebastião, um cheio de pormenores,
o outro embrenhado demais por infiéis
e ido em brumas

Nâo há rainhas não
Até Henrique VIII com muito mais élan do
que Isabel: mandou cortar cabeças como couves
e expandiu albiónico quintal.
A filha pouco fez, que já tinha o país
quase estrumado, pupila em oceano
e abolidas bulas - a prima: um pormenor
tão en passant como o Tomás
(depois canonizado)

Que Maria da Escócia
não tem graça nenhuma, se comparada
ao nosso D. Diniz: como a das rosas,
não plantou pinhais,
não tinha olho ferrado no futuro
nem domou as areias solitárias
ao som de Ai Deus e u é

(Não fora a inconstante Guinevere,
Artur: homem feliz
E a D. Sebastião serviu-lhe ser solteiro
sem rainha chorosa (ou exultante) com Alcácer-Quibir
- além disso razão de se extinguir
dinastia de Aviz)

Não há rainhas, não.Até Vitória, na forma de mandar,
foi mais que homem:
manias do império,
toucados opressores e verso
espartilhado e de costumes

Mas rainhas a sério:
reinado em feminino e língua nova,
nariz torcido à guerra no saber ancestral
de entranhas próprias,
não me lembro nenhuma

Não há rainhas, não.
Quando se fala em mitos,
é sempre Artur ou D. Sebastião.
O resto: uma Avalon
ameaçando brumas


Ana Luísa Amaral



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One thing I know for sure. A person can't sneeze in this town without somebody offering them a handkerchief.

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Friday, December 9, 2005

Microscópica quase,
uma migalha entre as folhas de um livro
que ando a ler.

Emprestaram-me o livro,
mas a migalha não.
No mistério mais essencial,

ela surgiu-me recatadamente,
a meio de dois parágrafos solenes.
Embaraçou-me o pensamento,

quebrou-me o fio (já ténue) da leitura.
Sedutora, intrigante.

Fez-me pensar nos níveis que há de ler:
o assunto livro
e a migalha-assunto do leitor.

(era pão a matéria consumida no meio
de dois parágrafos e os olhos
consumidos: virar a folha, duas linhas lidas
a intriga do tempo quando foi
e levantou-se a preparar o pão
voltando a outras linhas)

Fiquei com a migalha,
desconhecida oferta do leitor,
mas por jogo ou consumo
deixei-lhe uma migalha minha,
não marca de água, mas de pão também:
um tema posterior a decifrar mais tarde
em posterior leitura
alheia.

Ana Luísa Amaral



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Thursday, December 8, 2005

assaltei o blog do bar maravilha (devidamente autorizada pela gerência)

SILÊNCIO

Conheço uma cidade
que cada dia se enche de sol
e tudo desaparece num momento

Cheguei lá quase à noite

No coração durava o ruído
das cigarras

Do navio
envernizado de branco
eu vi
a minha cidade perder-se
deixando
um pouco
um abraço de lumes no ar indeciso
suspensos

Giuseppe Ungaretti



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Tuesday, December 6, 2005

a jukebox da lebre (canção perfeita versão 1.1)

Total Recall

Another time, another time
Oh there must be a hole in your memory
But I can see
I can see a distant victory
A time when you will be with me...

It's all such a blur when time goes so quickly
Trying to hang on to
The way that you'd like things to stay

You trace back the seconds
Recall the details
From someone will, to someone does
To someone did, you know I did

Oh there must be a hole in your memory
But I can see
I can see a distant victory
A time when you will be with me

You cut me off just as I was starting to speak
The language you keep hidden away
It's just like the question on everyone's lips

But it's not on mine
Where all you'll find is a twisted smile
From another time

Another time, another time
Oh there must be a hole in your memory
But I can see
I can see a distant victory
A time when you will be with me...

Another time, another time
Oh there must be a hole in your memory
But I can see
I can see a distant victory
A time when you will be with me

There'd be another time, another time
Oh there must be a hole in your memory
But I can see
I can see a distant victory
A time when you will be with me

I can see but there's got to be another time
It's got to be...

The Sound


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Monday, December 5, 2005

há sempre um nevoeiro confuso quando eu me invento
esvazio-me em imagens que anoto num caderno

palavras sem ninguém na resposta

hoje por exemplo
não é dia de contar histórias
há um rasgão na página
pego nas palavras com a ponta dos dedos
mas elas desaparecem na fenda

a que distância ficam as palavras quando se escrevem?


eue

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Sunday, December 4, 2005

Não dormi com a beleza toda a vida
fazendo inconfidências a mim próprio
dos seus encantos planturosos

Não, não dormi com a beleza toda a vida
mas com ela menti
fazendo confidências a mim próprio
de como ela nunca morre
mas jaz à parte
no meio dos aborígenes
da arte
e paira por cima dos campos de batalha
do amor

Está acima de tudo isso
muito acima
Está sentada no mais selecto dos assentos
da Igreja
lá em cima onde os administradores da arte marcam encontros
para escolherem o que há-de ficar para a eternidade
Eles, sim, dormiram com a beleza
durante toda a vida
Eles, sim, alimentaram-se da ambrósia
e beberam o vinho do Paraíso
e por isso sabem exactamente como é que
uma coisa bela é uma alegria
para sempre e para sempre
e como é que ela nunca nunca
pode inteiramente desvanecer-se
num nada que leve à bancarrota

Oh não, nunca dormi
em Regaços de Beleza como esses
receando levantar-me de noite
com medo de perder nesses segundos
qualquer belo movimento que ela esboçasse
E contudo dormi com a beleza
à minha estranha maneira
e fiz uma ou duas cenas terríveis
com a beleza na minha cama
de onde transbordou um poema ou dois
de onde transbordou um poema ou dois
para este mundo tão parecido com o de Bosch


Lawrence Ferlinghetti


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Saturday, December 3, 2005

E quando chegares à dura
pedra de mármore não digas «água, água!»,
porque se encontraste o que procuravas
perdeste-o e não começou ainda a tua procura;
e se tiveres sede, insensato, bebe as tuas palavras
pois é tudo o que tens: literatura,
nem sequer mistério, nem sequer sentido,
apenas uma coisa hipócrita e escura, o livro.


Não tenhas contra ele o coração endurecido,
aquilo que podes saber está noutro sítio.
O que o livro diz é não dito,
como uma paisagem entrando pela janela de um quarto vazio.


Manuel António Pina



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Thursday, December 1, 2005

quando chove lembro-me sempre deste texto

Cair de gotas

Não sei, olha, terrível como chove. Chove que se farta, densa e tristemente, gotas enormes e duras contra a varanda, que fazem “plaf” e se esborracham como bofetadas uma após outra que chatice. Aparece agora uma gotinha no alto da janela, periclitante contra o céu que a destrói em mil brilhos apagados, cresce e oscila, parece que cai mas não cai, não há meio de cair. Agarra-se com unhas e dentes, não quer cair, e a barriga vai-a aumentando, é agora uma gota que incha majestosa e de repente “zup” ela aí vem, “plaf”, desfeita, nada, uma viscosidade no cimento.
Mas há as que se atiram e suicidam imediatamente, aparecem na goteira e daí se mandam, creio ver a vibração do salto, as pernitas que se soltam e o grito que as embriaga nesse nada de cair e aniquilar-se. Tristes, redondas inocentes gotas. Adeus gotas. Adeus


Julio Cortázar


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Tuesday, November 29, 2005

post na 1ª pessoa do singular

a lebre está de trombas.


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o senhor La Feria está a abandalhar o Alice no país das maravilhas

Monday, November 28, 2005

Hoje eu dei-te o meu dia, na esplanada afrontando o olhar dos outros
por motivos tão escassos. É a primeira oportunidade para
uma nova estação, a natureza conspira no cimento
à nossa volta. Mas eu acredito que toda a mudança venha apenas
pelo fim de qualquer coisa e tu estás imóvel nessa cadeira,
parece que nunca tiveste um princípio.

Onde estão agora as tuas razões, o que fizeste
com a tua juventude? Não esperes que os pássaros te castiguem
por perderes o dia e sufocares de noite. Eu não te posso salvar
da tua angústia, baralhei os sinais por baixo de cada nome
e escolhi as ruas à sorte. E tu não me podes obrigar a pensar
de outra maneira, pobre de ti com as mãos encolhidas
sobre o tampo da mesa. Nos dias de sol a tua sombra
seria cruel para mim. E como eu te mentiria.


Rui Pires Cabral


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Sunday, November 27, 2005

Saturday, November 26, 2005

Novembro, som absoluto,
com as suas sílabas suaves,
as vogais pairando na aragem,
e na luz lenta dourada outros
sons soltos consoantes.

Fiama Hasse Pais Brandão



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amor é....

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Thursday, November 24, 2005

é sempre entre a tua demora e o vento
que se toca o mais fundo de um silêncio

como fotografias de olhares que parecem tristes
nascem as primeiras frases no frio das folhas

tudo muda de cor no Outono:
os pássaros cruzam um céu que dá
sombra às palavras


eue


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Wednesday, November 23, 2005

Implorando o sopro do ser divino,
o sopro que dá a vida,
o sopro de muita idade,
o sopro das águas,
o sopro das sementes,
o sopro da fecundidade,
o sopor da abundância,
o sopro do poder,
o sopro da força,
o sopro de todas as espécies de sopro
pedindo o seu sopro,
inspirando o seu sopro no calor do meu corpo,
incorporo seu sopro
para que vivas sempre luminosamente.

Poema ameríndio

(mudados para português por Herberto Helder)

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Tuesday, November 22, 2005

Então para os outros sou aquele estranho que surpreendi no espelho: sou ele e não eu, tal como me conheço! Sou aquele estranho que, à primeira vista, não reconheci. Aquele estranho que não posso ver viver a não ser assim, num instante inesperado. Um estranho que só os outros podem ver e conhecer.

Luigi Pirandello


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Monday, November 21, 2005

mais uma tradução caseira da lebre

Porque eu não podia nem ler nem falar e nas noites longas eu não conseguia desligar a lua ou contar as luzes dos carros a atravessar o tecto.

Anne Sexton



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Sunday, November 20, 2005

everybody knows everybody....

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Estar só
é meditar numa ausência
esguer os olhos do que, escrevendo, o constata
por uma ordem emanada já se sabe donde

ir só reinvindica
sonega a caneta
dobra os papeis escritos
e conduz docemente
a uma longa suspeição de música.

Sebastião Alba


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Thursday, November 17, 2005

Por interstícios das malas abertas de quando éramos
crianças gritam as bocas sem nenhum eco
das bonecas. Criaturas fictícias, escalpelizadas
e sem tintas, de ventre oco. Mas o mortal
lugar do coração está ainda a palpitar.
O bojo do peito de celulóide, como o meu,
pede-nos perdão pela saudade que nos devora.


Fiama Hasse Pais Brandão



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Wednesday, November 16, 2005

" Não posso acreditar", disse Alice.
" Ai não?", perguntou a Rainha Branca em tom condoído.
" Tenta outra vez; inspira fundo e fecha os olhos."
Alice riu, " Não vale a pena tentar", disse: " Uma pessoa não pode acreditar em coisas impossíveis. " " Atrevo-me a dizer que não tens muita prática ", disse a Rainha. " Quando tinha a tua idade, fazia sempre isso meia hora por dia. Ora, cheguei a acreditar em seis coisas impossíveis antes do pequeno-almoço."


Lewis Carroll


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Tuesday, November 15, 2005

Tomo nota; reescrevo:

“Leio um texto e vou-o cobrindo com o meu próprio texto que esboço no alto da página mas que projecta a sua sombra escrita sobre toda a mancha do livro. Esta sobreposição pessoal tem por fonte os olhos, parece-me que um fino pano flutua entre os olhos e a mão e acaba cobrindo como uma rede, uma nuvem, o já escrito. O meu texto é completamente transparente e percebo a topografia das primeiras palavras.”

Maria Gabriela Llansol



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Monday, November 14, 2005

metade de mim mora em manhãs de inventar o frio

falo de um tempo onde a chuva
marca a respiração no vidro

e o vento é lido por pássaros

e lá para o fim do dia
quando tenho nas mãos
a idade das primeiras chuvas

conto estrelas para passar o tempo



eue

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Sunday, November 13, 2005

tradução caseira da lebre de um dos poemas da vida dela


O inventário do adeus


Tenho um maço de cartas,
tenho um maço de memórias.
Eu podia cortar os olhos a ambas.
Eu podia usa-las como um avental de retalhos.
Podia mete-las na maquina de lavar, na de secar,
se calhar parte da dor desapareceria como sujidade?
Se calhar deitando-a pelo triturador eu poderia triturar a perda.
Alem disso – que pechincha – sem telefonemas caros.
sem viagens demoradas em aviões no nevoeiro.
Sem o riso maníaco ou bênção de um padre fora-do-baralho.
Esse padre provavelmente ainda está a flutuar numa almofada de nevoeiro.
Abençoando-nos, abençoando-nos.

Tenho que te abençoar, perdido,
aqui sentada com a minha alma trapalhona?
O tempo de propaganda acabou.
Sento-me aqui no espigão da verdade.
Ninguém para odiar senão o peixe esguio da memória
que desliza para dentro e para fora do meu cérebro
Ninguém para odiar senão o toque agudo da minha camisa de dormir
roçando o meu corpo como uma luz que se apagou.
Lembra-me o beijo que inventámos, línguas como poemas,
encontrando-se, regressando, convidando, provocando uma febre de necessidade.
Risos, mapas, cassetes, toque a cantar o seu caminho –
tudo para ser partido e posto num cofre estanque
Os mortos monótonos entopem-me e há apenas
preto ornado a preto que verte do cofre.
Preciso de o estripar e depois colocar o coração, as pernas,
de dois que foram um sobre um grande monte de lenha
e acendo-o, como eu já fui acesa e deixo-o rodopiar
em chamas chegando ao céu
Fazendo-o perigoso com o seu vermelho.



Anne Sexton


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porque um cheiro cinzento de castanhas une as margens
fico com os cotovelos marcados pelo tampo da mesa
quando a mesa é um sombreado no frondoso painel do
[ quintal e

o olhar
parado disperso na parede
no apenas em que a parede é um móvel ao canto
e nós na praia nós o ano passado uma jarra de
[ vidrinhos coloridos
verde amarelo vermelho azul transparente
e a porta
lacada de branco entre os vasos fronteiriços à varanda

os cotovelos sobre o tampo da mesa
quando a mesa é uma toalha branca floreada de pequenino
[lilás
sobre os joelhos
junção de margens do forjado de que se fazem as varandas

os ganchos que deixei junto à bacia
a escova o peixe branco do sabonete a jarra verde
amarela vermelha azul transparente

e nós na sala
com a toalha pelos joelhos


joão do nascimento


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Saturday, November 12, 2005

a lebre vista pelos olhos d'outrem


Quando noutro _____ [Lua]
Éramos


Escrevendo poemas
Por submarinos
Sendo das mãos folhas
Embalados no temor
Da relva húmida de tardes


Arrebanhando o vazio

De todos os apeadeiros
por fim.



fénix

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Friday, November 11, 2005

mais uma traduçao caseira da lebre

um buraco na noite
subitamente invadido por um anjo


Alejandra Pizarnik



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Thursday, November 10, 2005

NEM SEMPRE AOS POETAS APETECEM AS ESTRELAS


Apetece-me não sei porquê uma história de formigas
De formigas assexuadas negras nítidas e rápidas
Com olhos fantásticos colhendo miríades de imagens
E inúteis os olhos das formigas
Desenhadas como um oito ou como um sinal de infinito
Muitas corteses atarefadas prejudiciais
Clericais sociais subtílissimas pequenas
Formigando no chão
No chão onde florescem os cardos e as cores
No chão onde assenta a carne ansiosa das mulheres
E os joelhos dos homens
No chão onde ecoa a voz repugnante dos pregadores
E a voz das juras e dos negócios
No chão onde cai o suor dos aflitos
E o suor dos amorosos
E o suor dos operários
E o suor dos gordos
No chão onde andam os pés e estalam os escarros
No chão das guerras e das famílias correctas
E dos vasadouros e dos jardins
E do pus verde dos mendigos
E das chagas rendosas e das rendas custosas
E das doidas furiosas
E das rosas
E das airosas e das feias e dos bispos e dos triunfadores
E dos cretinos e das virgens
E dos remédios e dos males
E das vertigens e dos abismos
E das cismas
E dos sismos
E dos vermes do ventre e das sonecas
E dos ludíbrios e dos hábeis
E da força dos garantidos
E das sementes

Apetece-me não sei porquê uma história de formigas
A grande invasão das formigas multiplicando-se
Cobrindo a face da terra e a dos homens e das mulheres
Entrando-lhes pelos narizes para roerem os olhos por dentro
E fazendo bulir as coisas mortas e as vivas
Com o espantoso treme-luz irisado e magnífico
Dos seus reflexos negros e a substituírem todas as cores

Na grande montanha uma mulher enorme
Nua e infame
Tem as pernas escachadas sob as pregas do ventre
E sob as pregas do ventre seu sexo negro
É o grande formigueiro do mundo

Vive?

As formigas esvaziaram-na da enxúndia e substituíram-na
Só lhe deixaram a pele por fora para ainda haver branco visível
E como pêlos ampliados excitados e crescentes
Cobriram e desceram o vale
Enroscaram-se nas árvores
Desinquietaram a placidez das pedras
Forraram as aldeias e as cidades os animais e os homens

Que é do ciúme e das angústias?
Que é do amor e das palavras?
Que é das carícias e dos dentes?
Que é das renúncias e dos crimes?
Que é das tentações
Das promessas
Dos desejos
Dos apetites
Das fúrias?
Que é de todas as músicas?

O sol inútil cobre um mar negrejante onde os reflexos são como os olhos das moscas
E um silêncio tremendo finge de paz no mundo
Uma paz de silêncio com formigas

Formigas
Formigas
Formigas
Formigas


António Pedro



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Wednesday, November 9, 2005

o que falta ao verde
para ser árvore nestes dias que começam
a noite antes da hora?

Rosa Alice Branco

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Tuesday, November 8, 2005

o meu


Quando fores velha, grisalha, vencida pelo sono,
Dormitando junto à lareira, toma este livro,
Lê-o devagar, e sonha com o doce olhar
Que outrora tiveram teus olhos, e suas sombras profundas;

Muitos amaram os momentos de teu alegre encanto,
Muitos amaram essa beleza com falso ou sincero amor,
Mas apenas um homem amou tua alma peregrina,
E amou as mágoas do teu rosto que mudava;

Inclinada sobre o ferro incandescente,
Murmura, com alguma tristeza, como o amor te abandonou
E em largos passos galgou as montanhas
Escondendo o rosto numa imensidão de estrelas.


W. B. YEATS


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Monday, November 7, 2005

Qual foi o vosso primeiro poema-paixão?

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Sunday, November 6, 2005


Horizonte

havia uma menina sentada
junto a uma janela

ela vestia uma velha camisa de dormir
larga
e tinha cabelos castanhos lisos
longos

tinha uma caixa de plástico vermelha
no colo
e olhava o horizonte cinzento
ao longe

talvez vivesse numa ilha
e talvez brincasse junto ao mar
nas tardes de verão

ela estava sentada
não sei bem se num banquinho de madeira
ou se num rochedo do tamanho do mundo

às vezes
os seus olhos pousavam suavemente
na caixa vermelha
e os seus pequenos dedos
imprimiam na superfície do plástico
antigas histórias
de gente que não mais voltara do mar

a casa era do tamanho
de uma janela que dá para o mundo

e a madeira cheirava a madeira
e alguma coisa nela me dizia
que outrora fora barcos

nenhum entardecer
se assemelhava ao que habitava
aquela janela

e a menina sabia-o
não sei bem como

os seus olhos cinzentos
olhavam o horizonte
com a paciência
de quem olha os horizontes

e por vezes
esticava o pescoço
para ver mais longe

ela descobrira sozinha
o significado da palavra longe

o tempo era
verdadeiramente
algo indistinto

e os cabelos
acariciados pela tempestade
gritavam
aos olhos mais atentos
a palavra eternidade

sempre que abria as mãos
caíam ao chão
punhados de terra
ainda misturada com raízes

e no seu colo pousava
aquela caixa vermelha de plástico liso
como uma mancha de sangue
no branco sujo
da camisa de dormir

de vez em quando
cantava
melodias tristes
que ela ouvira
certamente
da boca dos mortos
que escolheram aquele lugar
para olhar o horizonte

um dia
alguém vindo do mar
dissera-lhe ao ouvido
a palavra infinito
e ela rira

ria sempre
que alguém dizia
infinito

desde então
passava noites inteiras
na sua janela

nenhuma palavra
se lhe ouvia
mas ria-se às vezes
como se riem as crianças

há quem diga
que lhe morrera o mundo
e que perdera o tempo
numa noite de tempestade

outros dizem que aprendeu a falar com os mortos
e que passeia no fundo dos mares

que chama pelo respectivo nome cada estrela
e que tem uma música para cada pôr-do-sol

que guarda na pequena caixa de plástico
todos os sonhos dos homens

eu sei que ela tem uma janela nos olhos

imagino que corra na praia
e que caminhe sem dificuldades
na estrada do horizonte

julgo que é sozinha desde sempre
e que não gosta de andar com guarda-chuva

provavelmente
conhece mesmo o fundo dos mares

e nem sequer me custa acreditar que
se pudesse ver o que esconde
aquela caixa de plástico
ela me pareceria vazia


José Rui Teixeira


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