Monday, January 31, 2005



é no interior do sonho que olho (para)

o tempo (que já não respira) atravessado pelo riso



esfarrapam-se os espaços (de contacto) onde me apoio

equilíbrio frágil num trapézio de sombras



esboçam-se sorrisos (escondidos)



ao que realmente existe, acrescento olhares (de espanto)

paisagens por desenhar (para dias de ausência)



assim invento maneiras simples de te escrever

como se saíssem da minha voz as palavras onde

o silencio é adorno





eue



Sunday, January 30, 2005

As cores de Frida Kahlo







Thursday, January 27, 2005

Se eu pudesse iluminar por dentro as palavras de todos os dias
(O soneto que só errado ficou certo)


Se eu pudesse iluminar por dentro as palavras de todos os dias
para te dizer, com a simplicidade do bater do coração,
que afinal ao pé de ti apenas sinto as mãos mais frias
e esta ternura dos olhos que se dão.

Nem asas, nem estrelas, nem flores sem chão
- mas o desejo de ser a noite que me guia
e baixinho ao bafo da tua respiração
contar-te todas as minhas covardias.

Ao pé de ti não me apetece ser herói
mas abrir-te mais o abismo que me dói
nos cardos deste sol de morte viva.

Ser como sou e ver-te como és:
dois bichos de suor com sombra aos pés.
Complicações de luas e saliva

José Gomes Ferreira


Wednesday, January 26, 2005

este blog esteve em obras durante a noite e só se salvou

devido a um amigo que não entrou em pânico como a lebre

MUITO MUITO OBRIGADA







PASSADO



A velha sebenta

em que escrevia as minhas composições de Francês

"Mes Vacances": gostei muito das férias

je suis allée à la plage (com dois ee,

o verbo être pede concordância), j'ai beaucoup

nagé e depois terminava com o sol a pôr-se

no mar e ia ver gaivotas ao dicionário



As correcções a vermelho e a Passé Simple,

escrever cem vezes nous fûmes vaus fûtes ils fûrent

as tardes de sol

e Madame Denise que dizia Toi ma petite

com ar de sargento e a cara zangada a fazer-se

vermelha (tenho glóbulos a mais, faites attention)

e o olhar que desmentia tudo

em ternura remplit



E as regras decoradas e as terminações

verbais a i s, a i s, a i t

a hora de estudo extra e o sol de fim de tarde

a filtrar-se pelas carteiras,

a freira a vigiar distraída em salmos

eu a sonhar de livro aberto

once upon a time there was a little boy

e as equações de terceiro grau a uma

incógnita



Ah tardes claras em que era bom

ser boa, não era o santinho nem o rebuçado

era a palavra doce a afagar-me por dentro,

as batas todas brancas salpicadas de gouache

colorido e o cinto azul que eu trazia sempre largo

assim a cair de lado à espadachim



As escadas de madeira rangentes

ao compasso dos passos, sentidas ainda

à distância de vinte anos,

todas nós em submissa fila a responder à chamada,

"Presente" parecia-me então lógico e certo

como assistir à oração na capela e ler as Epístolas

(De São Paulo aos Coríntios:

Naquele tempo...),

tem uma voz bonita e lê tão bem, e depois

mandavam-me apertar o cinto para ficar

mais composta em cima do banquinho,

à direita do padre



E o fascínio das confissões,

as vozes sussurradas na fina teia de madeira

castanha a esconder uma falta,

o cheiro do chão encerado e da cera das velas

e quando deixei de acreditar em pecados

e comecei a achar que as palavras não prestam

e que era inútil

inútil a teia de madeira



Ah noites de insónia à distância de vinte anos,

once upon a time there was a little boy

and he went up on a journey

there was a little girl, une petite fille

e o passé simple, como parecia simples o passado

Au clair de la lune

mon ami Pierrot

Prête-moi ta plume

pour écrire un moI

Escrever uma palavra

uma só

ao luar

a pedir concordância como uma carícia

Elles sont parties,

les mouettes



Ana Luísa Amaral



Sunday, January 23, 2005



SÓ PARA MIM



Queria ter o sol só para mim, tê-lo de forma a dele

poder de vez em quando ceder parte apenas a um dos

meus mais íntimos amigos



luis miguel nava







Apetecia-me rever esta série deliciosa



DON'T BE RIDICULOUS






"Listen to the wisdom that made Mypos great--there are none so blind as those who will not hear."



Thursday, January 20, 2005



Numa tarde onde as histórias se contam

com os sorrisos a adormecer na boca

Os olhares perdem-se no meio de um encontrão do vento

entre livros, cigarros e café



(e música, não me posso esquecer da música)



Sacudimos conversas e caracóis como gestos de ternura

Desisto dos silêncios quando há vestígios de pálpebras da noite

Sacodem-se vocábulos por entre o que resta do deixado para trás

E as histórias ficam como marcas de silêncio na respiração





eue







Wednesday, January 19, 2005



Don't let that horse

eat that violin

cried Chagall's mother



But he

kept right on

painting



And became famous



And kept on painting

The Horse With Violin In Mouth

And when he finally finished it

he jumped up upon the horse

and rode away

waving the violin



And then with a low bow gave it

to the first naked nude he ran across



And there were no strings

attached



Lawrence Ferlinghetti





Tuesday, January 18, 2005





distraída pela noite



eis como desperto da imagem do que foi um acto de amor



uma montagem fotográfica vista por olhos míopes

onde os contornos são desatentos



alimentado por sílabas, em cada parágrafo uma calma

feita de erros (ortográficos ou olhares vazios)



um nevoeiro onde se estrangulam lágrimas

e com palavras ainda quentes

(as noites acabam sempre assim)

levanto-me e dobro-as como roupa usada







eue



Monday, January 17, 2005



Nesse tempo eu já lera as Brontë mas

como era um adolescente retardado

passava a noite em atrozes dilemas

que mais vale: amar, ser doutrem amado?



ainda não descobrira o simples disto

nem o essencial disto que é tão claro

se tudo no amor vem do imprevisto

deitar regras ao jogo pode sair caro



por isso eu amo e sou ou não benquisto

depende do instante bem ou mal azado

amor tem alegria, tem enfado

o happy end é coisa dos cinemas





Fernando Assis Pacheco





Saturday, January 15, 2005

O fim nocturno das coisas





As coisas são também as suas cores.

Quando vem a noite

elas misturam-se e nós

perdemo-las no escuro.



Só os sons secos e agudos

ou ainda outros

cortam o tempo

ou então o silêncio

de um até logo.





Maria Alexandra Dáskalos





Thursday, January 13, 2005



entre gestos e baloiços entram-me

pelas palavras dentro as horas onde a infância

dorme na sombra do horizonte



algures, perdida entre uma sílaba

antecipada pelo som do riso

perco-me dos dias



a verdade? A verdade é um livro com imagens feitas de restos

e o tamanho das palavras, letra a letra

é o tamanho de quando o silencio era feito de gargalhadas



mas as letras não têm sabor

e com frio nos dedos, folheio as paginas

onde palavra a palavra a infância se perde

quando me devolvo ao dia, as gargalhadas apagam-se

ficando os baloiços cobertos pela transparência das lágrimas





eue





Wednesday, January 12, 2005

Os Girassóis





Às vezes ouves-me chorar

não é fácil deixar a tua mão

De quarto em quarto

quem espera

o terror de não haver ninguém

As paisagens alteram-se sem resolução

narrativas imortais desaparecem

e os girassóis assim

vulneráveis a desconhecidas ordens



Tu estás tão perto

mas sofro tanto

porque não vejo

como possa falar de ti

entre dois ou três séculos



José Tolentino Mendonça







Tuesday, January 11, 2005



apetecia-me ver este filme















Encomenda





Desejo uma fotografia

como esta — o senhor vê? — como esta:

em que para sempre me ria

como um vestido de eterna festa.





Como tenho a testa sombria,

derrame luz na minha testa.

Deixe esta ruga, que me empresta

um certo ar de sabedoria.





Não meta fundos de floresta

nem de arbitrária fantasia...

Não... Neste espaço que ainda resta,

ponha uma cadeira vazia.





Cecília Meireles







Monday, January 10, 2005



UMA ARTE



A arte de perder não é difícil de se dominar;

tantas coisas parecem cheias da intenção

de se perderem que a sua perda não é uma calamidade.



Perder qualquer coisa todos os dias. Aceitar a agitação

de chaves perdidas, a hora mal passada.

A arte de perder não é difícil de se dominar.



Então procura perder mais, perder mais depressa:

lugares e nomes e para onde se tencionava viajar.

Nenhuma destas coisas trará uma calamidade



Perdi o relógio da minha mãe. E olha! a última, ou

a penúltima, de três casas amadas desapareceu.

A arte de perder não é difícil de se dominar.



Perdi duas cidades encantadoras: E, mais vastos ainda,

reinos que possuía, dois rios, um continente.

Sinto a falta deles, mas não foi uma calamidade.



- Mesmo o perder-te (a voz trocista, um gesto

que amo) não foi diferente disso. É evidente

que a arte de perder não é muito difícil de se dominar

mesmo que nos pareça (toma nota!) uma calamidade.



Elizabeth Bishop











Sunday, January 9, 2005

incendiar, sim, é um processo

mais simples. Cubro a cabeça de cinza

(não de estrelas!), como se fora um aviso.

Eis-nos chegados ao fim

do mundo! É uma parede considerável, um monumento

ao saber mais antigo,



percorre-nos interiormente! E entretanto

entornamo-nos em todos os sentidos, e sei que no meio me esqueço

o essencial, esse frasco de perfume

ao descer o dia? ou seria a noite? quando

as mãos ainda nos aproximavam,



o fogo era uma palavra entre todas a mais fácil,

e só, em nós, a luz vivia.



António Franco Alexandre







Friday, January 7, 2005

perto do fim ver-se-ão ao fundo luzes a atravessar a noite.

só isso

deixar-te-ei onde as palavras só são tuas



agora,

agora pouso o cigarro e sinto-te extenuado à procura de pretextos para falar.

parece-te natural?

tudo me parece tão pouco e escondida entre instantes com a boca a saber a noite



(há restos de ti nas palavras que me povoam)



demoro os dedos na chávena de café, bebido como todos os dias

no meio dos cheiros que são sombras no fim da tarde

e escolho a cor das primeiras palavras a sorrir timidamente




eue





Querem saber porque é que

a TVI oferece prémio à vitima nº 200.000 do maremoto

José Castelo Branco usa prémio da Quinta das Celebridades para reanimar cérebro de Betty Grafstein parado há 35 anos

Depois do PPM e do MPT, PSD coliga-se com sindicato de tanoeiros e grupo de turistas japoneses

José Sócrates tão certo da vitória que promete comer António Vitorino se não vencer

João Pedro Pais traumatizado por fogo de artifício de ano novo. Câmara de Lisboa nega responsabilidades



É facil, basta irem à Inépcia

O meu e-zine satiríco (GENIALISSIMO)preferido que faz hoje 4 anos,

PARABÉNS, PARABÉNS, PARABÉNS, PARABÉNS, PARABÉNS, PARABÉNS,PARABÉNS




PARABÉNS, PARABÉNS,PARABÉNS PARABÉNS, PARABÉNS,PARABÉNS,PARABÉNS

Thursday, January 6, 2005



A casa do mundo



Aquilo que às vezes parece



um sinal no rosto

é a casa do mundo

é um armário poderoso

com tecidos sanguíneos guardados

e a sua tribo de portas sensíveis.



Cheira a teias eróticas. Arca delirante

arca sobre o cheiro a mar de amar.



Mar fresco. Muros romanos. Toda a música.

O corredor lembra uma corda suspensa entre

os Pirinéus, as janelas entre faces gregas.

Janelas que cheiram ao ar de fora

à núpcia do ar com a casa ardente.



Luzindo cheguei à porta.

interrompo os objetos de família, atiro-lhes

a porta

Acendo os interruptores, acendo a interrupção,

as novas paisagens têm cabeça, a luz

é uma pintura clara, mais claramente me lembro:

uma porta, um armário, aquela casa.



Um espelho verde de face oval

é que parece uma lata de conservas dilatada

com um tubarão a revirar-se no estômago

no fígado, nos rins, nos tecidos sangúíneos.

É a casa do mundo:

desaparece em seguida



Luiza Neto Jorge







Wednesday, January 5, 2005



Vou ali ao Avenida ver o 2046 outra vez e já volto



" Love is a matter of timing. It’s no good meeting the right person too

early or too late"













Tuesday, January 4, 2005



I made a house of houselessness,

A garden of your going:

And seven trees of seven wounds

You gave me, all unknowing:

I made a feast of golden grief

That you so lordly left me,

I made a bed of all the smiles

Whereof your lip bereft me:

I made a sun of your delay,

Your daily loss, his setting:

I made a wall of all your words

And a lock of your forgetting.



Rose O'Neill





Monday, January 3, 2005

Também eu, também eu,

joguei às escondidas, fiz baloiços.

tive bolas, berlindes, papagaios,

automóveis de corda, cavalinhos...





Depois cresci,

tornei-me do tamanho que hoje tenho;

os brinquedos perdi-os, os meus bibes

deixaram de servir-me.

Mas nem tudo se foi:

ficou-me, dos tempos de menino,

esta alegria ingénua

perante as coisas novas

e esta vontade de brincar.



Sebastião da Gama