Monday, February 28, 2005

que língua falas quando como um sussurro
me obrigas a respirar palavras
com dicção de pedra

quando as nuvens não sabem dos pássaros
não há instantes na tua realidade

só ficam gritos a esvoaçar num céu líquido
e guardas o sentido com a avidez do vazio

eue

Thursday, February 24, 2005


vim só ver se estava alguém acordado

You can erase someone from your mind. Getting them out of your heart is another story.

Wednesday, February 23, 2005

Rumor de água

Rumor de água
na ribeira ou no tanque?
O tanque foi na infância
minha pureza refractada.
A ribeira secou no verão
Rumor de água
no tempo e no coração.
Rumor de nada.

Carlos de Oliveira


Tuesday, February 22, 2005

mais uma traduçao caseira:)de um poema que adoro

Há mil portas atrás
quando eu era uma miúda solitária
numa casa grande com quatro
garagens e era verão
desde sempre,
da noite deitada na relva,
com os trevos a enrugarem-se por cima de mim
as estrelas sábias deitadas sobre mim,
a janela da minha mãe um funil
de calor amarelo a escorrer
a janela do meu pai, meia fechada,
um olho onde adormecidos passavam,
e as tábuas da casa
eram macias e brancas como a cera
e provavelmente um milhão de folhas
velejavam nos seus caules estranhos
enquanto os grilos faziam tiquetaque em uníssono
e eu, no meu corpo recém estreado,
que ainda não era o de uma mulher,
dizia às estrelas as minhas perguntas
e pensava que Deus poderia mesmo ver
o calor e a luz pintada,
cotovelos, joelhos, sonhos, boa noite.

Anne Sexton


Monday, February 21, 2005

As árvores como os livros têm folhas
e margens lisas ou recortadas,
e capas (isto é copas) e capítulos
de flores e letras de oiro nas lombadas.

E são histórias de reis, histórias de fadas,
as mais fantásticas aventuras,
que se podem ler nas suas páginas,
no pecíolo, no limbo, nas nervuras.

As florestas são imensas bibliotecas,
e até há florestas especializadas,
com faias, bétulas e um letreiro
a dizer: «Floresta das zonas temperadas».

É evidente que não podes plantar
no teu quarto, plátanos ou azinheiras.
Para começar a construir uma biblioteca,
basta um vaso de sardinheiras.

Jorge Sousa Braga


Sunday, February 20, 2005


olhem, apeteceu-me:)

Menino Guerreiro

Um homem também chora
Menina Morena
Também deseja colo
Palavras amenas
Precisa de carinho
Precisa de ternura
Precisa de um abraço
Da própria candura
Guerreiros são pessoas
São fortes, São Frágeis
Guerreiros são meninos
No fundo do peito
Precisam de um descanso
Precisam de um remanso
Precisam de um sonho
Que os tornem refeitos
É triste ver este homem
Guerreiro Menino
Com a barra do seu tempo
Por sobre os seus ombros
Eu vejo que ele berra
Eu vejo que ele sangra
A dor que traz no peito
Pois ama e ama
Um homem humilha-se
Se lhe cortam os sonhos
Seu sonho é sua vida
E vida é trabalho
E sem o seu trabalho
Um homem não tem honra
Morre-se, Mata-se
Não dá para ser feliz
Não dá para ser feliz


Gonzaguinha


Friday, February 18, 2005


Parabéns Filipa:)


O que é o espaço
senão o intervalo
por onde
o pensamento desliza
imaginando imagens?

O biombo ritual da invenção
oculta o espaço intermédio
o interstício
onde a percepção se refracta

Pelas imagens
entramos em diálogo
com o indizível


Ana Hatherly


Thursday, February 17, 2005


Preciso de

arrumar a casa, rever o sistema, brunir

os móveis e o tacto.
Preciso de opor o tempo ao tempo.
O espaço ao espaço.


Albano Martins


Tuesday, February 15, 2005


Os dias cinzentos. Eles vêm, eles insinuam-se com o tempo. Deixas de vislumbrar os matizes que desaparecem como ténues, cintilantes flocos na memória. Ficar sentado e pensar de repente. Que está mais cinzento, que queres libertar-te, mas continuas sentado, em completo silêncio, imaginas-te dentro do cinzento porque há nele uma leveza, porque ele é algo de fortuito que se ajusta bem aos dias, e quando queres sair dele, estás deitado indefeso no meio do caminho, como um animalzinho, destrutível, mesmo com o mais ligeiro toque.

Aasne Linnesta


Monday, February 14, 2005

hopojepe espestápá fripriopo, nãopão apachampam?

Sunday, February 13, 2005


A lebre está muito contente, afinal sempre vai ter o festival de blues em Coimbra

Os blues
Os blues servem
Os blues servem para cantar as noites solitárias
Os blues servem para cantar as minhas noites solitárias


Os blues
Os blues não são nada
Os blues não são nada mais que um canto
Os blues não são nada mais que um canto para gritar nas minhas noites solitárias
Os blues são uma estrela que brilha todas as noites para não se apagar depois até que volte a noite

Os blues são uma estrela que brilha
Os blues são uma estrela
Os blues sao
Os blues

Os blues são uma oração que cantam os negros e alguns brancos
para pedir que a noite não seja tão negra
Os blues são uma oração que cantam os negros e alguns brancos para pedir
Os blues são uma oração que cantam os homens
Os blues são uma oração
Os blues são
Os blues


JOAQUIM HORTA I MASSANÉS
tradução caseira da lebre

Thursday, February 10, 2005


Li este poema num livro da Margaret Atwood, não descansei enquanto não o traduzi, foi a maneira mais simples de me tentar ver livre da bofetada que ficou colada na cara

I

Somos duros um com o outro
e chamamos-lhe honestidade
escolhendo as nossas verdades dentadas
com cuidado e apontando-as através
da mesa neutra

As coisas que dizemos são
verdadeiras: é o nosso alvo
retorcido, são as nossas escolhas
que as tornam criminosas.

II

Claro as tuas mentiras
são mais divertidas:
porque as fazes novas de cada vez

As tuas verdades, dolorosas e chatas
repetem-se continuamente
se calhar porque és dono
de tão poucas

III

Uma verdade deveria existir
não deveria ser usada
assim. Se eu te amo

é isso um facto ou uma arma?

O corpo mente
ao mover-se assim, são estes
toques, cabelos, o mármore
macio e húmido que a minha língua percorre
mentiras que me estás a dizer?

O teu corpo não é uma palavra,
nem mente
nem fala a verdade

Apenas
está aqui ou não está.


Margaret Atwood


Wednesday, February 9, 2005

A noite sustém-se

sem respirar, tal como um esforço.

Mais devagar, sem brisa

benevolente que num instante aviva

o duvidoso cansaço, precipita

a solução do sono.

De umas luzes iguais

vela alta parede de janelas.

Carne sozinha insone, corpos

como a mão decepada jazem,

debruçam-se, buscam o amor do ar

- e a brasa que esgotam ilumina

olhos onde não dorme

a ansiedade, a infinita esperança com que aflige

a noite, quando volta



Jaime Gil de Biedma





Monday, February 7, 2005

Bom Carnaval





Sunday, February 6, 2005



Uma espécie de vazio



A imagem estendia-se

com surpreendente realidade



Pensei: é a montanha

que nunca tinha visto



Como nessa manhã

em que o seu perfil me surpreendeu



a sua imanência



Agora não me importa

porque me esvaziei



Não obstante sinto a falta

a intensidade dos meus pertences



Sinto um vazio

uma espécie de vazio



mesmo na luz

iridiscência



- malvas laranjas -



da inapreensível realidade



Yolanda Pantin





Friday, February 4, 2005



Ser soñadora en su camisa azul

que ama la tierra extraña

o atreverme como la náufraga

que vuelve al mar

porque nadie se alegra

de su salvación.



Alejandra Pizarnik





Thursday, February 3, 2005

lebre completamente deliciada com o diário da Frida Kahlo



Wednesday, February 2, 2005

É mais fácil de longe imaginar

o que seria ter-te aqui presente

do que seria ter-te e não saber

com que forma do corpo receber-te.



Talvez um amplo véu oriental

ou o brilho mental de uma armadura

me deixassem arder sem ser molesta

no lume horizontal de uma figura.



Se te vejo, já está o meu desejo,

enquanto estavas longe, satisfeito;

no teu olhar encontro tudo quanto

à altura de amor é mais perfeito.



E no entanto, perto, fico incerta

se não é melhor bem o que imagino.



António Franco Alexandre