Monday, June 30, 2008

Não lhe parece estranho que certas memórias de infância estejam assim coalhadas em luz, encapsuladas como aquelas esferas de vidro que ao virar-se cintilam de neve ou de partículas doiradas sobre uma paisagem em miniatura? Podia ser o Escorial, a Torre de Londres, os Montes Apalaches. Um par que dança de pernas para o ar na concha da mão cheia de vidro grosso, dentro do qual paira depois, em descida mansa, uma poalha de estrelas cadentes. Pode ser o Taj Mahal, feito para alumbrar porque navega nos ares à hora da bruma arfante do calor. Isso eu vi. Ou talvez estivesse marejada de choro. Jazigo raro, onde quem sabe só restam que résteas de ossos.
Está-se lá dentro, nas esferas vivas, sem saber para onde se ia, nem de onde se vinha. Para sempre, o que não é exagero nenhum, enquanto a memória veja. Mas suponho que são estas bagas translúcidas que atravessam de sorrisos o cochilar dos velhos e dos meninos que hão-de voltar a ser. Se voltarem. Ele há tanto sítio e lugar e ser de que se está tão certo e seguro em sonhos, que é bem possível que para lá se vá ou de lá se venha. A alma é imortal mas não nos é dado saber aonde se demora.



Maria Velho da Costa



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Friday, June 27, 2008

estate
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Thursday, June 26, 2008

Suavemente o prado embala-me na sua relva
Estou só deitada
Penso em ti
e devia estar entristada

espelho-me no azul alto do céu
nos teus olhos não
De vez em quando procuro ainda
nas nuvens a tua expressão

que o vento me desfaz: esquiços incertos
que posso ir esbatendo
Penso em ti e paro uma vez mais
o esquecimento.




Ulla Hahn



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Wednesday, June 25, 2008

Sempre evitei falar de mim,
falar-me. Quis falar de coisas.
Mas na seleção dessas coisas
não haverá um falar de mim?

Não haverá nesse pudor
de falar-me uma confissão,
uma indireta confissão,
pelo avesso, e sempre impudor?

A coisa de que se falar
até onde está pura ou impura?
Ou sempre se impõe, mesmo impura-
mente, a quem dela quer falar?

Como saber, se há tanta coisa
de que falar ou não falar?
E se o evitá-la, o não falar,
é forma de falar da coisa?



João Cabral de Melo Neto



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Tuesday, June 24, 2008

No espelho
o olhar desaparece

às vezes desalojado
no meu próprio corpo

às vezes
angustiado
pela angústia
que rola
para lá e para cá como destroços
na rebentação

raspo com um dedo
o vidro
e oiço o mundo gritar.



Pia Tafdrup



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Monday, June 23, 2008

Não sei se existe isto de que falo,

mas deixa-me reparar um pouco

no teu modo ternamente animal

de confundir palavras e sentimentos,

num quase-silêncio desabrigado e informe.



Um corpo serve para muito pouco,

desde os caprichos da libido

às infecções urinárias. Coisas às vezes

parecidas que disfarçamos com vinho

e com uns restos de astúcia. Não me ouças,

se não quiseres. Ainda não se perdeu o lume

das mãos redondas com que te despes

a um canto, singularmente igual

ao que de ti recordo num outro Inverno

distante. Deixemo-nos ficar esta noite,

enquanto Tom Waits nos volta a falar

de um camião chamado Phantom 309

ou de outra coisa qualquer, singularmente

igual - um pouco mais triste, talvez.

Não é isso que importa. Também cada um de nós

terá um dia de se despistar ao encontro

de alguma certeza irrisória e no entanto mortal.



Que o vinho não acabe, entretanto, e

que as canções não pereçam nesta noite

cativa do lume mas friamente corrupta.

Sò nos teus lábios posso encontrar os teus lábios.

Eis uma parva verdade a que por vezes regresso,

mais importante decerto do que a sagess de Verlaine

ou do que aquele velho bar onde dantes, pelo

fim da tarde, cumpríamos o amor. Deixa lá, no exacto

sítio da morte, essa teimosa paixão que não morre

nem finge viver. Tudo isto é inútil, embora

o empadão estivesse bom e eu já não saiba sequer

quantos anos passaram desde que um ao outro

oferecemos o engano e a miséria de um rosto.



O vinho depressa acabou, e é entre os teus seios

que agora adormeço, como se houvesse um lugar.

Daqui a algumas horas esperar-nos-á,

crudelíssimo, o terror tépido de mais um domingo

absolutamente dispensável. Só então saberemos

o que desta noite há-de a memória roubar.

Talvez um perfume a doer-lhe feliz, ou as roucas

onomatopeias de uma certeza insegura

- do lado mais esquivo da morte.



Mas bastam-me para já as mãos redondas

gentis que fazem chover o teu nome

sobre as ruas desertas do meu coração.







Manuel de Freitas

Digo-te por isso

que não me obrigues a luz.

Que escrever não é fácil,

que viver não é fácil

quando começamos a frase a meio.

Que lavo a cara ao chegar tão tarde

e mesmo assim o dia não se despega,

e mesmo assim

tu não estás, ninguém está.

Que não tenho espaço na minha secretária,

na minha vida, na minha cama

para tanto espaço.

Que já me disseram urbana,

e nem por isso me disseram decadente,

e que eu gostei.

Que já me disseram

muitas vezes

disfarçadamente triste,

e que por isso, por ser triste, por

sermos todos tristes, não mo deviam dizer.

Digo-te por isso

que não era minha intenção dizer-te mais uns versos

tristes e sem luz, e por isso, só por isso,

não era minha intenção dizer-te nada.







Filipa Leal
Digo-te por isso
que não me obrigues a luz.
Que escrever não é fácil,
que viver não é fácil
quando começamos a frase a meio.
Que lavo a cara ao chegar tão tarde
e mesmo assim o dia não se despega,
e mesmo assim
tu não estás, ninguém está.
Que não tenho espaço na minha secretária,
na minha vida, na minha cama
para tanto espaço.
Que já me disseram urbana,
e nem por isso me disseram decadente,
e que eu gostei.
Que já me disseram
muitas vezes
disfarçadamente triste,
e que por isso, por ser triste, por
sermos todos tristes, não mo deviam dizer.
Digo-te por isso
que não era minha intenção dizer-te mais uns versos
tristes e sem luz, e por isso, só por isso,
não era minha intenção dizer-te nada.



Filipa Leal



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Saturday, June 21, 2008

Thursday, June 19, 2008

Vou falhando as pequenas coisas
que me são solicitadas.
Sentindo que as ciladas
se acumulam cada vez que falo.
Preferi hoje o silêncio.
A ausência de equívocos
não é partilhável.
No inegociável deste dia,
destituo-me de palavras.
O silêncio não se recomenda.
Deixa-nos demasiado sós,
visitados pelo pensamento.




Luís Quintais



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Wednesday, June 18, 2008

que faria sem este mundo sem rosto sem perguntas
onde ser dura apenas um instante onde cada instante
verte para o vazio o esquecimento de ter sido
sem esta onda onde no final
corpo e sombra juntos se devoram
que faria sem este silêncio sorvedouro dos murmúrios
que anelam frenéticos por socorro por amor
sem este céu que se ergue
sobre a poeira do seu lastro

que faria faria o que fiz ontem o que fiz hoje
espreitar do meu postigo para ver se não estou só
a dar voltas e voltas longe de toda a vida
num espaço fantoche
sem voz no meio das vozes
encerradas comigo



Samuel Beckett



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Tuesday, June 17, 2008

cada palavra é uma maquina de guardar memórias
e em tempo de palavras ásperas o meu corpo
recolhe silêncios como passado

ouve, com que músculos faço os sonhos?



Maria Sousa



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Monday, June 16, 2008

A luz é poeirenta, magra. Vejo-te, vacilante, num voo rasante sobre as águas. Ao entrar em casa, detenho-me num clarão de contorno nítido. No quarto, vivem, silenciosas, estrelas-cadentes; no exterior o céu não se desmantela, vela por mim. Quando acordo, verifico que interior e exterior são afinal o mesmo tecto.


Ana Marques Gastão


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Sunday, June 15, 2008

E
de súbito reparas que tens uma hora para ti.
Debates-te com o sofá sentindo os
ossos fremir
(cinquenta e cinco minutos) para entregar
ao que mais gostas. Uma hora só para ti nem
é nada habitual
(quarenta e sete minutos) sem o jugo das perguntas
privada epifania de veres chegar
o teu momento. Felizmente que esta tarde
tens uma hora para ti
(trinta e nove minutos) delida no teu silêncio e
nada fala mais alto que
o silêncio das mulheres. Repara que é a hora inteira
(vinte e quatro minutos)
a sala sem o colóquio das vozes à refeição
(cinco ou dez minutos) até à palavra ballet onde
a escolhes meia minha
meia tua meia nua.


João Luís Barreto Guimarães


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Saturday, June 14, 2008

Marie floating over the backyardPhotobucket



Thursday, June 12, 2008

Isto era o destino:
chegar à margem e ter medo da quietude da água.




antonio gamoneda



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Wednesday, June 11, 2008

Apesar dos avisos, das cautelas, dos caldos de galinha, perdi-te
numa grande superfície em domingo de bola na luz. Ia comprar-te
roupa, aos jornais, ver se o café já chegara, e de repente, enquanto
olhava a montra engalanada de chocolates, estava só o teu sítio.

Foste no turbilhão da multidão ululante com uma bandeira na mão
gritar por portugal, sentei-me num banco a ver televisões
e na esperança de te ver quando filmassem as claques. Passou a hora
e meia mais o intervalo -nem preciso dizer que nunca mais te vi.

Agora investigo até ao mínimo detalhe o conceito de amor
nos vários pontos da terra e sei que hei-de encontrar um
que me corresponda. Pois o mundo é uma bola chutada num anúncio
da coca-cola, às vezes o amor só se vê quando desaparece,

quando comíamos conquilhas e bebíamos vinho verde chamava-se
amizade. Mas eu ainda só vou no ocidente mais ocidental.

De olhos vermelhos de tanto chorar, primeiro por desgosto, depois
pela raiva da estupidez de chorar, cravo os olhos em mim mesmo
a sentir bater o coração ao centro, se ao menos à hora da morte
se decifrasse o enigma. Mas nem isso se sabe ao certo, é essa a dor
criativa da incerteza. E criar cria-se assim mas pode ser coisa horrível.

Porque mostrar a dor sistemática, onde pairam nuvens negras,
não é mostrar a tua beleza, nem a minha, ou a da escrita. Talvez
se comprasse bilhete e me misturasse com todos quem sabe se
não te encontraria, a comer nougat e a rir, achando normal eu ali.

Não, nunca mais te vi, por vezes conto um conto para fingir
que tive um sonho, sem vergonha a tremedeira cresce em pernas
e em braços, aquele banco para mim ficou um lugar sagrado e volto
aos domingos sempre, pode ser que te encontre na igreja dos costumes.



Helder Moura Pereira



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Tuesday, June 10, 2008

Sonhei-te lentamente,
em plena consciência do disfarce.
Sabia-te irreal,
mas o sonho restava devagar.
Com pormenores tão lentos

que o tempo me sobrava de pensar.
Sentei-me ao pé de ti,
junto ao meu sonho, e pude ler indícios,
os símbolos que queria
estavam lá. Sonhei-te porque sim:

a confusão existe no real.




Ana Luísa Amaral



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Saturday, June 7, 2008

loose,footloose, kick off your Sunday shoes
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Thursday, June 5, 2008

O jardim não sabia ser jardim
sem a mulher que com ele falava
sozinha.

Sozinha a mulher,
sozinho o jardim quando a mulher
não chega da sua solidão.
Sozinha a rapariga que olha o jardim,
que procura a mulher,
que não fala sozinha.



Filipa Leal


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Wednesday, June 4, 2008

É tão bom começar a manhã com tudo o que
queremos ser neste dia, olhar sem medo pela
janela, ensaiar uns passos fora da pele.
Já não somos nós, nem mesmo é nosso o dia.
Tropeçamos nos olhos espantados à volta
do que vemos, precipitamo-nos para dentro e é tudo
o pouco que fizemos. Dizemos que a pele
é a nossa casa, enumeramos as assoalhadas,
a arquitectura sólida, as vantagens de grades
nas janelas. Depois fica-se triste até ao fim do dia.
Há quem faça compras ou coma chocolate,
quem diga mal de todos, quem não acorde a espreitar
pela pele como ser outro, mas ele está a dois passos,
a respiração, a temperatura, o olhar, o corpo móvel
que se afasta levando o horizonte e só nos resta
sonhar com a manhã seguinte e todos os dias –
- todos os dias - mentimos para dentro da pele.



Rosa Alice Branco



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Tuesday, June 3, 2008

Às vezes paro à porta
com o olhar perdido e habituado ao silêncio,
há mais desertos ainda, dias
e morte noutros olhos.
Com a garganta habituada à sede,
com os pés às feridas,
saio para a rua
e já não há umbrais.

Ando um dia, passo outro,
acabo uma semana de vidros partidos
e tosse mais velha.
Hoje parece que sempre
choveu sobre mim,
e não me importa
se a chuva já não se parece ao esquecimento
e apenas deixa charcos, paredes mais sujas
e fuligem e tristeza nos olhos de rímel,
ainda tenho sede
e não me importa
voltar às coisas más e aos velhos tugúrios
à procura de algo que não encontro nem recordo,
que costuma principiar por um encontro,
talvez por outra palavra
e corre o perigo de crispar-se
até à forma da folha da faca.

Às vezes tudo é tão estranho
que não basta continuar a andar.



alfonso barrocal




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Monday, June 2, 2008

muito, muito obrigada :D
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sim, sim, é um retrato da lebre em modo meninolas

Sunday, June 1, 2008

post patetolas do ano

A lebre faz hoje anos
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